O Dilema do Crocodilo em letras góticas |
Emergindo dos emaranhados do pantâno do inconsciente, o crocodilo, monstro verde-gosmento, que em um só golpe certeiro, quaerens quem devoret ou buscando a quem devorar, aprisiona em seus fiéis dentes a esperança da esperança, a criança atraída pelo cheiro fétido do charco, a qual sem forças, como uma posta de carne indefesa, se acomoda nas mandíbulas da morte, já sangrando em seus braços e pernas. A pobre mãe, a tudo assistindo, inconformada com o devoramento, com a cena dantesca, dá um grito de pavor que reboa, que estoura pelos ares vibrando os tímpanos. No palco de Dante Alighieri, acompanhando toda a cena com sofreguidão, o demônio, com a cabeça enfeitada por um belo par de chifres cuspindo fogo, a antítese do bem, o qual em êxtase, a acreditar, no devoramento, jogava pelos ares pequenas bolinhas de enxofre, turvando todos os pensamentos conscientes e a enfeitar o ambiente com uma névoa de ovo podre.
Nessa cena lúgubre, infestada de fumaças vadias, o nosso monstro crocante, atingido pelos raios do grito, em seu cinismo sanguíneo, concorda em dar uma chance ao desespero maternal, a vítima, a todas elas, portadoras de uma chance romântica, de um direito gravado no livro do tempo. A decisão é, imediatamente, abençoada pelo demônio, o sempre cheio de intenções nefastas e nefandas, entre elas que o devoramento fosse em slow motion, tudo para maiores deleites sanguinários. Decisão que o Demônio toma, sem pensar, apenas com um aceno positivo de cabeça. E o Crocodilo, depois destas nuances, argui, a mãe aflita, na sua arrogância rastejante:
- Advinha o que eu vou fazer com o seu filho? -Se a resposta for correta, eu o soltarei! Tudo com irônicos e falsos ho!, ho!, ho!, imitando Papai Noel em filme de terror cult segurando um motosserra ensanguentado.
Tal pergunta deixa a mãe petrificada, que titubeia em responder o enigma, o óbvio ululante. O terror aumenta em escala esponencial, o sangue santo escorre, as crianças são santas, a mãe fica mais estática ainda, às completas, tomada por Fobus, o deus grego do nosso medo herdado dos confins do paleolítico, no impasse demoníaco, o vento pára. Na fobia doentia da mãe em errar a síntese, a resposta da trese e da antítese, aparentemente simples, fica anestesiada, permanece ali travada na rede deste dilema, na rede do tempo de violência contra as crianças, cordeiros de deus, a esperança da esperança.
Neste exato momento o crocodilo crocante se vê em apuros racionais, tenta rever a sua proposta lançada, julga-a contraditória, entra em desespero, já conta com o terror da vítima em não responder a pergunta, a proposição ou enunciado.Vislumbra no horizonte as idéias duelarem, atirarem ao mesmo tempo, destruirem umas as outras, para o deleite do bem. Tenta raciocinar, tem dificuldades reptílicas, sente vontade de se encharcar no pantâno para um leve refresco; sente dor de barriga, afrouxa as mandibulas, a criança respira melhor, permanece quieta como instinto de defesa diante de forças superiores e demoníacas. Como um cão tolerado pela gerência, o diabo abre a boca, aperta o rabo. O monstro pensa melhor e se vê em uma emboscada das premissas que colocará em sua reputação a alcunha de tolo, se a mãe disser que ele o crocodilo vai devorá-la, será obrigado a devolvê-la, a resposta está corretísssima, mas se ele crocodilo deixar a criança em paz, estará negando a sua intenção, que passará a ser falsa. E aí se criou o dilema do crocodilo e a cena ficou congelada na fração do tempo, na intuição do instante; caríssimos, todos os personagens da cena gótica passam bem, a fotografia é uma montagem, o crocante crocodilo se acha devorado pelas idéias contraditórias, se julga um injustiçado, como nós todos sentimos injustiçados neste mundo. Não era correta na filosofia do crocodilismo dar ganho de causa à civilização, ao homem, o instinto é superior ao homem, só que o instinto estava perdendo a guerra e a racionalidade vencendo. O que deveria ser superior ou o instinto devorador, estava sendo injustiçado por uma amaldiçoada racionalidade. Porem acreditava piamente que nada é mais firme, sólido, real, material, forte do que o intinto doado pela natureza, aliás qualquer crocodilo merecia carnes tenras de uma criancinha indefesa. A mãe petrificada, a criança em stand by e o demônio, às deveras, decepcionadíssimo, e, assim, permanecem, sem nenhuma resposta no e do tempo. Não há resposta, não há chifres, tudo não passa de um sofisma, de um jogo encantado de palavras. Sem embargo disso tudo, o que importa é que os dilemas continuam aterrorizando as nossas mentes, emergindo dos pantânos mefíticos, permanece a insondável escolha, o julgamento do homem julgando a si mesmo, destruindo a si mesmo, permanece o crocante crocodilo marinando em nossas cabeças.
Este dilema era do conhecimento dos estóicos, apreciado na idade média e hoje meio esquecido. Dilema, significa em grego, duas premissas. Premissa significa proposição da qual se infere outra proposição. Proposição significa enunciado ou declaração. Ou uma resposta para o problema, só que a resposta torna falsa a proposição.
Frank R. Stockton, 1834-1902 |
Jogando uma bolinha de enxofre. Pensem no dilema do crocodilo, no dilema do homem, viver, morrer, ganhar, perder, ser, não ser, etc. Como sempre, gosto de colocar um gigante ao lado de outro, ao lado do nosso crocodilo coloco o tigre, o tigre de Stockton, há um conto sensacional, sobre os nossos dilemas, um dos melhores escrito nos Estados Unidos e no mundo, chamado de A dama, ou o tigre? de Frank R. Stockton, 1834-1902. No livro Contos Norte Americanos, Os Clássicos, coordenado por Vinicius de Moraes e apresentado por Orígenes Lessa, você o encontrará ao lado do melhor conto americano no nosso entendimento: Acender um fogo, de Jack Landon, 1876-1919, a trocarmos o crocodilo pelo cão. Para entender o cerne do conto de Frank R. Stockton, se se coloque sendo obrigado a abrir uma porta, uma escolha fatal entre duas, em uma tu podes deparar com um tigre faminto, na outra, com uma bela dama que te desposarás, tudo presenciado por uma espécie de demônio humano que se deleita com o delírio da escolha. Dilema é dúvida, a dúvida da escolha, a tragédia da escolha. Daí a grandiosidade do conto A dama, ou o tigre? é o dilema colocado no centro do homem. As respostas, ora, ora e ora, são, em sua maioria, insuficientes, algumas estão no maravilhoso livro A Escolha de Sofia. Por favor devorem este livro.
"A treze de janeiro, o capitão Nemo,
tendo chegado ao mar de Timor, avistara a ilha do mesmo nome.
A sua superfície é de mil e seiscentos e vinte e cinco léguas quadradas
sendo governada por rajás. Estes príncipes crêem-se filhos de crocodilo,
isto é, descendentes da mais alta origem a que possa aspirar um ser humano.
Por isso, os seus antepassados cobertos de escamas pululam nos rios da ilha
e são objetos de especial veneração. São protegidos, mimados, adulados,
alimentados, moças encantadoras são oferecidas, para que eles devorem e
ai dos estrangeiros que se atrevam a erguer a mão contra os sáurios sagrados.
O Náutilo, porém, não foi obrigado a enfrentar estes horripilantes animais."
(Excerto de Vinte Mil Léguas Submarinas de Júlio Verne, 1828-1905)
tendo chegado ao mar de Timor, avistara a ilha do mesmo nome.
A sua superfície é de mil e seiscentos e vinte e cinco léguas quadradas
sendo governada por rajás. Estes príncipes crêem-se filhos de crocodilo,
isto é, descendentes da mais alta origem a que possa aspirar um ser humano.
Por isso, os seus antepassados cobertos de escamas pululam nos rios da ilha
e são objetos de especial veneração. São protegidos, mimados, adulados,
alimentados, moças encantadoras são oferecidas, para que eles devorem e
ai dos estrangeiros que se atrevam a erguer a mão contra os sáurios sagrados.
O Náutilo, porém, não foi obrigado a enfrentar estes horripilantes animais."
(Excerto de Vinte Mil Léguas Submarinas de Júlio Verne, 1828-1905)
Zé Perrengue, um abraço.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirzé perrengue! olhando a princípio e sem entender o cerne do pensamento, esse texto é arrepiante! Mas como sempre traz uma grande reflexão. Sei que os textos que aqui são postados têm muito mais a expressar do que minha mente média pode entender, mas de fato o dilema da dúvida e da escolha, permeada por outros fatores que sempre afetam as atitudes humanas, fazem com que nós sejamos ordinariamente mais vulneráveis, agravado pelo fato de sermos seres que se envolvem em inúmeros sentimentos, tais como medo, amor, entre tantos outros.
ResponderExcluirCaríssimo Zé Perrengue, sensacional!!!! O interessante é que enfatizas exatamente a inexistência de respostas tão desesperadamente buscada nas entrelinhas lidas.
ResponderExcluirTalvez seja essa uma questão infligida em todas as outras indagações humanas
Sempre tende-se a querer logo o final, e pior, perpetuamente um final feliz.
A unanimidade de tal anseio se dá exatamente pelo fato de não contentar-se em apenas analisar paulatinamente a própria existência.
Porquê sempre deve haver um final, e porque ter que ser esse feliz?
O ocorrente é que não costuma-se haver saciações apenas com a simples contemplação das coisas como elas são, permitindo assim que cada um extraia a sua interpretação, e logo o seu proveito.
Agora, permita-me parafrasear:
"A decisão é, imediatamente, abençoada pelo demônio,"
que isso! é demais viu! "abençoada pelo demônio".
Fantástico...
Me lembra um documentário inclusive a ser indicado: A espiritualidade e a sinuca
link no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=MdKATVfkyT8
Percebam que a personalidade (humor) de deus se vê trocada com a do diabo, totalmente de encontro do que se tem por construido...
um máximo,vejam!
PARABENS Zé!
Obrigado pela visita Weidy Corrêa,
ResponderExcluirO importsante é a imaginação que não encontra muros,apenas uma onda cerebral, uma brincadeira. Já tinha mandado um e-mail para você e obrigado pelo que me enviou. Apareça sempre