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sábado, 30 de abril de 2011

A sabedoria do tempo

  

Albert Einstein, 1879-1855: A mente que se abre
 a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.

...elemento invisível...
                                                         Onde encontrar a sabedoria? Maybe, talvez, no tempo? Devemos procurar o tempo incessantemente, como procuramos a vida pois a vida é tempo, não há vida sem tempo humano, biológico, uma espécie de mentira, contudo, um alerta divino, não encontraremos muito sobre este elemento invisível e ao mesmo tempo não tão pouco. Não esqueçam nunca, nada é mais brutal, avassalador e aterrorizante que o tempo. Ele é pai e carrasco ao mesmo tempo, a convivência do Não e do Sim, tudo com naturalidade, algo misterioso e sagrado que tem uma péssima mania de criar e destruir, acredita que é só destruindo que se contrói e vice versa. Digo que o tempo é um monstro de duas cabeças, igual ao Deus romano Janus, com uma cabeça virada para o passado e outra virada para o futuro, de Janus herdamos o belo mês de Janeiro, o começo simbólico. Em razão da bondade e da maldade do tempo sobre a carne humana, ambos elementos, essências deste, não havemos, não temos, como não deveríamos ter a ETERNIDADE e somos seres cheios de angústia a conviver com uma grande certeza: a corrupção inexorável, pornográfica,  da carne, até a morte. Morte e tempo se ligam como as dimensões físicas espaço-tempo. Com grande angústia não entendo o porquê do criar e depois, simplesmente destruir a obra, será que o tempo, o nosso “criador”, tem um prazer secreto em costurar e descosturar, em caminhar pela escada em que os dois corrimões são o Sim e o Não. Como é difícil subir e descer esta escada olhando para o Sim e para o Não. Peço desculpas aos amigos, contudo seria o tempo a própria essência de Deus? Fica a pergunta para o sábio leitor. O tempo medido por anos, dias, horas e minutos é apenas uma medida humana, uma convenção, não uma verdade absoluta, erro cometido até pelo grande Isaac Newton (1643-1727) em sua física clássica derrubada pela Teoria da Relatividade. Dando um exemplo foi convencionado por nós humanos que um segundo corresponde a 9.192.631.770 ciclos de um tipo de radiação de césio-133, algo arbitrário, escolhido pelo homem, se é ecolhido é relativo e parcial, relatividade é uma forma de parcialidade.

...tempo humano, uma espécie de mentira...
                                                            Voltando o nosso foco aos negócios, às encantadoras riquezas materiais, digo que a praticidade americana tem como um grande representante Benjamim Franklin (1706-1790) que elaborou uma teoria fácil de ser compreendida sobre o tempo: tempo é dinheiro e por isso, baseado neste enlouquecido princípio americano estamos criando uma verdadeira arte de comprimir o nosso tempo, ou seja, temos que fazer mais e mais durante um lapso de tempo, só que assim estamos condenados a ficar presos na angústia do tempo e esta prisão é terrível e enlouquecedora. Para os físicos, filósofos e queijandos, os quais procuram a essência do tempo, ele não é um continuum, uma sucessão de fatos, do presente para o futuro, produzindo incessantemente um passado, isto é, para eles, apenas ilusão dos nossos sentidos. A percepção da passagem do tempo é uma das características básica da percepção humana, por isso comparamos a passagem do tempo como o vôo de uma flecha ou o fluxo de um rio, tudo ilusão dos nossos sentidos que sempre querem nos enganar. O fluxo de um rio ou o de uma flecha são movimentos e não tempo.    

                                                           Albert Einstein (1879-1955) disse: “O passado, o presente e o futuro são apenas ilusões, ainda que tenazes.” Para os físicos o tempo é apenas uma dimensão extra semelhante ao espaço, tempo e espaço formam um único bloco. Observem com cuidado, tempo e espaço são algo semelhantes, só que é difícil viver como se fossem algo imútavel. Por isso na física o tempo e o espaço são fisicamente blocados, não passa, nem flui. A física não resolveu o mistério do tempo uma vez que a Teoria da Relatividade de Einstein, muito festejada, não é compatível com a Mecânica Quântica, as duas são aceitas, contudo falta um principio único que unifique as duas teorias, uma teoria que explique toda a natureza, tudo que vemos e não vemos. Einstein não encontrou, morreu desconfiado da Mecânica Quântica e por isso disse uma de suas inúmeras famosas frases quando se referia a mecânica quântica mais precisamente sobre o seu Princípio da Imprevisibilidade: Deus não joga dados, logicamente se referindo a incompatibilidade das duas teorias. Ninguém encontrou a resposta até hoje. O resultado, talvez, seria encontrar Deus ou a nossa eternidade, o que de fato é o que realmente desejamos. Alguns cientistas questionam até a existência do tempo como Rovelli e Julian Barbour. Em resumo, o que muitos leitores não sabem é que passado, presente e futuro não existem, são apenas ilusões; dimensão que nem a Física explica direito; o segredo continua. Por isso ousei perguntar se o tempo não é a própria essência de Deus no início do texto.

Salvador Dali, 1904-1989. O tempo parece
 derreter
                                                      

                                                            Como a física comprova que o tempo não é uma sucessão? Não se apavorem! Acima, dissemos que não existem para a física passado, presente e futuro, algo comprovado pela Teoria da Relatividade que desmoronou a física de Newton. A teoria da relatividade diz que tudo é relativo ou por outras palavras depende do observador, de quem observa o fenômeno, se é relativo não é absoluto, se não é absoluto, depende de quem observa, então, necessariamente, é parcial, significa que não é verdadeiro. A resposta e simples, podemos saltar no tempo teoricamente, tanto para o futuro como para o passado. Fisicamente não seria impossível construir uma máquina do tempo. Como se consegue saltar no tempo?  O chamado em física Paradoxo dos Gêmeos é uma das maneiras de explicar isso. Imaginem José e Maria ambos nascidos no mesmo dia. Maria viaja pelo espaço próximo a velocidade da luz, aos trinta anos de idade. Imagine José na terra contemplando a bela viagem cosmológica por dez longos anos. Quando Maria voltar da sua viagem cosmológica, Maria  estará com a mesma idade, ou seja, com 30 anos de idade, terá saltado o tempo em dez anos. Certamente, é impossível viajar próximo a velocidade da luz uma vez que energia é simplesmente a misteriosa matéria multiplicada pela velocidade da luz elevada ao quadrado. Se isso ocorresse ou se Maria viajasse à velocidade da luz imediatamente ela seria transformada em energia e sumiria em uma pequena explosão emitindo uma luz. Em razão disso Einstein elaborou a equação física: E =M.C². Os pilotos de aviões a jato, também exemplificando, ganham alguns segundos de vida em suas inúmeras viagens, tempo imperceptível para os nossos sentidos. 

Newton do pintor William Blake
1757-1827

                                                        Poesia do tempoJá que nem os nossos sentidos, a física e nem a filosofia explicam as trevas do tempo é melhor ficarmos com uma bela poesia do tempo que consola a nossa grande angústia do tempo. Certa vez testemunhei um casamento e estarrecido ouvi o sacerdote sacar da bíblia o ensinamento da submissão da mulher. Fiquei imaginando porque as religiões insistem em ficar do tempo. Houve constrangimento. Não entendi porque abandonar a sabedoria antiga da bíblia do velho testamento. Por exemplo, gosto muito do livro Eclesiastes, supostamente escrito por Salomão, e a sua poesia sapiencial a respeito do tempo deixou-me mais calmo. Não devemos ter preconceitos, o saber sapiencial encontra-se em lugares inimagináveis.  A palavra Eclesiastes do grego Ekklesiastes foi traduzida do hebraico Koheleth. Koheleth significa congregação ou reunião e Ekklesiastes por sua vez Orador ou Pregador, o que reúne, o que congrega. O Pregador na sua época era um sábio ou, talvez, um filósofo, e, certamente levou muito conforto a numerosas almas. Vamos ao arrepiante texto do Pregador do Tempo:
                                                              

                                                                   Tudo tem o seu tempo, e há tempo para todo o propósito sob o céu;

                                                                   Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;

                                                                    Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de construir;

                                                                    Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de usar luto, e tempo de dançar;

                                                                    Tempo de espalhar pedras, e tempo de perder; tempo de abraçar, e tempo de evitar o abraço;

                                             
                                                                   Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de jogar fora;

                                                              
                                                                   Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de calar, e tempo de falar;


                                                                   Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.
                                           A forma de se colocar o tempo acima é uma forma de descrever o homem na medida de seu tempo, ou seja, nascendo e morrendo, plantando e colhendo, amando e matando. É a aventura e a crueldade do homem no tempo.


                                                                   O texto do Eclesiastes a seguir complementa no meu entendimento o anterior do mesmo profeta. Tem um niilismo assustador sobre as mudanças, sobre o tempo que conhecemos através dos nossos sentidos e funciona como um bálsamo diante de tantas incertezas físicas:
                                                                                                                                                                                      Palavras do Pregador, filho de Davi, rei em Jerusalém.

                                                                    Vaidade de vaidades, diz o Pregador, vaidade de vaidades; tudo é vaidade.

                                                                        
                                                                    Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho que realiza sob o sol?

                                                                    Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.

                                                                     O sol também se levanta, e o sol se põe, e apressa-se a voltar ao lugar onde nasceu.

                                                                      
                                                                     O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; circula continuamente, e volta formando os seus circuitos.

                                                                     Todos os rios correm para o mar; contudo o mar não se enche; ao lugar de onde vêm os rios, para ali tornam eles a correr.

                                                                     Todas as coisas são trabalhosas; o homem não pode exprimir: os olhos não se fartam de ver, tampouco os ouvidos se enchem de ouvir.


                                                                     O que foi é o que há de ser; e o que se fez é o que se fará: e nada há de novo sob o sol.

                                                                     Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já existia nos tempos passados, que foram antes de nós.
                                                                       
                                                                    Não há lembranças das coisas que precederam; tampouco haverá qualquer lembrança das coisas que hão de ser, entre os que hão de ser, entre os que hão de vir depois.

                                                                     Eu, o Pregador, fui rei de Israel em Jerusalém.

                                                                     E, de coração, busquei, pela sabedoria, conhecer tudo quanto sucede sob o céu: esta árdua tarefa Deus atribuiu aos filhos do homem, para nela os exercitar.

                                                                      Vi todas as obras que se fazem sob o sol; e eis que tudo é vaidade e aflição de espírito.

                                                                      Aquilo que é torto não se pode endireitar; aquilo que falta não se pode contar.                                                                    
Quadro "Tudo é vaidade" de
Charles Allen Gibers,
1873-1929

                                                                       Epilogando, a intenção foi misturar física e metafísica, no tempo em que as duas matérias se entrelaçam provocando angústia no filósofo e no físico. Tudo pode ser vaidade, apenas desejo, e não nos dá nenhuma resposta satisfatória. É duro quando pensamos no tempo e percebemos que perdemos o tempo e não temos o tempo. A crueldade do tempo machuca, dilacera, dá com uma mão e toma tudo com outra, sem clemência e sem pedir licença. Por outro lado o tempo nos dá coisas belas como o sorriso de uma criança. O mistério do tempo se algum dia for desvendado é o único que nos salvaria da destruição, do grande pagamento que devemos dar ao tempo, nestas parcelas devidas ao tempo, a morte, não é só o maior pagamento, como o último. Se isto não ocorrer, como acredito piamente que não ocorrerá o desvendamento do tempo, tudo será apenas vaidade de vaidades ou desejos. Tudo eternamente inexplicável na física e na metafísica.

O tempo esvaindo em grãos de areia
                                                                             

                                                                        Zé Perrengue, tem como hobby estudar filosofia juntamente com física teórica.                                                                                                              
                                        
                                                                                           
                                                                                                                                             



  

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A poética da casa

                                            
Rua da Pedra, Cidade de Goiás-Go.
Eu sou estas casas, encostadas, cochichando umas com as outras

                                                                                   Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta...Vejo os cães que também existem... Fernando Pessoa 1888-1935, uma tragada imprescindível na Tabacaria.

                                             Mistérios de Vila Boa. Vila Boa ou Cidade de Goiás, antiga capital do Estado de Goiás, é uma cidade perdida no cerrado cheia de mistérios, muitos duvidam. É certo que roupa suja se lava em casa, no entanto, dando com a língua nos dentes, digo que o turista apressado que faz uma rápida visita pela cidade, come um quitute e vai embora não sabe de nada, viu a superfície, a casca, não viu nada. Demandará anos para que saiba que aqui temos um vento vindo lá do Córrego Ferreira que os antigos chamavam de vento encanado, fenômeno frio como um gelo, mesmo nos dias mais quentes. Este vento é calmo, um zéfiro, contudo, no mês de Agosto, mês do desgosto, parece um animal que urra sobre as casas querendo derrubá-las a todo custo. Dificilmente, este passante descobrirá que o centro é dividido em Carmo e Santana e que o Carmo é cerca de três graus mais frio que o Santana.

                     
                      O emaranhado tempo, espaço e matéria. É necessário pedirmos ajuda à poética do espaço para entendermos os segredos das coisas materiais, mormente aqui na antiga capital. Na poética do espaço temos o fenômeno da casa como espaço e matéria, o que nos interessa mais de perto neste estudo. Tocando o enterro, na verdade é necessário explicarmos que o espaço é invisível como o tempo, está ao lado do tempo ou formando um bloco sólido com este, a física nos diz isso, e, como a matéria ocupa o espaço confundimos ou usamos a palavra espaço como matéria, no nosso texto tem ambos os sentidos. Caríssimos leitores, então, não se esqueçam nunca, o espaço é invisível, nunca confunda espaço com matéria. Para entendermos melhor digo que o espaço é muito carinhoso, abraça um corpo, uma casa, e a casa em retribuição dá sentido ao espaço, por outras palavras, é um casamento perfeito entre espaço e matéria, tudinho, testemunhado pelo necessário tempoPodemos dizer que as casas são umas ladras, roubam um pedacinho do céu para nós, demarcam e dão sentido ao espaço que é invisível como o tempo. A casa como matéria e espaço tem poética, está no nosso corpo ou está no nosso coração, nas nossas mentes e deixa rastros nas nossas mãos, enfim na poética da casa estas embelezam o espaço. Não é à toa que os antigos valetudinários em sua poética prática da casa diziam: quem casa quer casa, um dito aparentemente tão inocente que, no entanto, merece o nosso olhar atento uma vez que a casa e a cidade estão ligadas como a tampa e o balaio. Não há cidades sem casa, em sentido amplo. A cidade é a própria civilização, não há civilização sem cidade, e as casas como elementos essenciais desta dizem amém. Em verdade, o turista superficial acima referido não compreende o espaço,  só lobriga a sua casca, não compreende a casa, como os poetas da física, só ama as suas fachadas.
                                                                                    Quem casa quer casa
                      Geometria poética. No fenômeno da casa há uma deliciosa geometria poética. Ora, começamos uma casa pelo ponto seminal, inicial, deste ponto construímos uma reta, procuramos o ângulo reto para as paredes, janelas e portas,  todos alvéolos deste complexo pulmonar. Por isso, já foi dito e repetido no cruzamento das linhas do tempo e do espaço que casa onde não entra o sol, entra o médico. Homens e casas necessitam de pequenas doses diárias de sol. Sabemos, perfeitamente, como Pitágoras de Samos, filósofo e matemático (570-490), que os lados de um ângulo reto, elevados ao quadrado e somados são iguais à hipotenusa ao quadrado e, logo, nesta conta simples, temos a casa orgulhosa, a matéria tridimensional embelezando o espaço, dando sentido à vida. Observe sua casa e encontrará inúmeros ângulos retos por todos os lados, cuidado para isso não virar mania. A ligação do homem e a casa é antiga, começaram nas cavernas. Homem é João de Barro, é barro. É homem prudente quem compra casa, mesmo ficando sem o carro. Sem dúvida a casa traz segurança física e psicológica. É um lugar para cairmos mortos e isso é o que importa. 

casa onde não entra o sol, entra o médico
Gaston Bachelard. O primeiro
pensamento claro, é o pensamento
do nada. O pensamento puro deve
 começar por uma recusa
da vida.

                                            Gaston Bachelard. O filósofo Gaston Bachelard (1884-1962) é o cara da filosofia do espaço, e por isso, nas suas elocubrações, viu algo mais no espaço, e em especial na casa, e nas suas apreensões filosóficas e poéticas nos deu de presente a Poética do Espaço, verdadeira filosofia materialista do espaço. Gaston escreve como poeta, cientista e filósofo, sua obra tem encantos. Merece ser agarrada e folheada.

Cora Coralina, 1889-1985
Colocando panos quentes nos vizinhos

                                            Cora Coralina como poeta da casa. A maior poeta goiana Cora Coralina (1889-1986) não deixou por menos sobre a casa e por isso foi muito feliz quando nos legou a seguinte imagem poética do espaço no escrito Minha Cidade:


                                            Eu sou estas casas, encostadas, cochichando umas com as outras.


                                            Esta oração fantástica se referindo as casas da Cidade de Goiás desvela a sensibilidade de uma poeta que compreende, que acredita metaforicamente que é uma casa, espaço embelezado ou pura poesia materialista. O melhor de tudo no verso é que se trata de casas que cochicham, este verbo é do gosto goiano, nos faz lembrar das crianças de antigamente que gostavam de dizer: quem cochicha o rabo espicha, vai pra roça o rabo engrossa, vai pra esquina o rabo afina.

pensamento do nada e recusa da vida

                                              Útero material. Vou voltar para a casa de meus pais. Quando nascemos não somos jogados no mundo, somos lançados dentro de uma casa, dentro de um verdadeiro útero material, daí as nossas melhores lembranças infantis estarem ligadas a casa. Por isso é com inveja que ouvimos alguém dizer: “vou voltar para a casa de meus pais.” Significa que temos carinho e proteção, em alguma casa, em algum espaço, que temos a possibilidade de voltar pisando nos nossos próprios passos. Inconscientemente, é uma vontade de voltar para o útero materno. Certamente, as casas da Vila Boa estão ligadas ao inconsciente; na verdade estão abraçadas, de mãos dadas umas com as outras para melhor se defenderem.  Quando foram construídas desta maneira ficaram bem mais protegidas das intempéries, dos índios de antigamente ou mesmo de ataques de outros povos. Revela uma história particular do inconsciente na geometria do espaço. O grande perigo passou, contudo, as casas continuaram abraçadas umas às outras, cochichando, desnudando uma fotografia antiga da história. Por isso estas velhas casas merecem ser conservadas e contribuíram para a elevação da cidade como patrimônio histórico da humanidade. 

     
                                            O habitado e o desabitado. Atualmente, aqui na Vila Boa, vivemos a dialética do habitado e do desabitado, casas são compradas e fechadas por alienígenas. Não podemos olvidar que na nossa tragédia espacial as crianças praticamente desapareceram das casas do centro e que o número de casas mal assombradas só aumenta. As casas povoam as nossas memórias, existem casas que nunca vamos esquecer, como por exemplo, a casa de nossos avós. Vivemos e sentimos a casa de nossos avós nos nossos melhores dias, pois nesta época somos crianças, somos inocentes, aprendemos com facilidade e temos maior capacidade de sermos felizes. Assim, os pais não deveriam vender as casas avoengas sem consultar as crianças ou os jovens. Sempre surge o sentimento de querer comprar a casa vendida de nossos avós. Parece que é comum no homem querer viver envelhecidas emoções, perdidas no espaço e tragadas pelo tempo.

                                            Edgar Alan Poe. As casas da cidade de Vila Boa faz-me lembrar de um dos mestres dos escritores, o impagável Edgar Alan Poe (1809-1849), uma pena que morreu muito novo em razão de inúmeras farras alcoólicas, e, como não poderia deixar de ser, ele nos deixou um dos maiores contos de todos os tempos: A Queda da Casa de Usher, onde uma casa mal assombrada é o centro do enredo, compensa ler, ao lado de outros como O Poço e o Pêndulo, William Wilson (o meu preferido, inclusive pela inteligência do título), O Barril de Amontillado, O Gato Preto e outros.
  

                                            Casa é liberdade e prisão. Quem compra uma casa fica preso e livre, quanto à prisão voluntária, digo que nela temos o gosto de cismarmos e ruminarmos as melhores ideias. Domofilia é o gosto de ficar em casa, é um gosto especial pela casa, inexplicável, só os domófilos entendem, pode virar vício e até doença, muitos envelhecem, ficam doentes e nunca mais saem de casa. Neste estado letárgico o sujeito vive o paradoxo, a luta entre a casa e a rua, nesta luta a casa é vencedora. Existem os rueiros, por outro lado, no entanto, na rua mora o perigo e por isso gostamos de voltar para a casa, go home, em inglês, expressão forte e sólida, que os americanos sempre são obrigados a engolir nos protestos. A casa é complementada pelo vizinho, os vizinhos fazem parte da casa. Eureka, alguém teve a genialidade de criar o dia do vizinho, uma obra da poetisa Cora Coralina. O Dia do Vizinho foi inspirado, certamente, na indispemnsável intuição do instante do provérbio árabe que diz que é melhor dar bom dia ao diabo todo dia que brigar com o vizinho. Um vizinho, como um Exu Sem Luz, pode virar o capeta rondando a casa.


                                             A casa da poeta. Vila Boa é a casa da poeta Cora Coralina que tem (ainda não morreu) como vizinho o Rio Vermelho. Por Zeus, caríssimas leitoras, é um privilégio ter um rio como vizinho de sua casa e tratá-lo como se fosse o seu avozinho. É chique, delicado, a poeta dizer, quando acorda:

                                                                                      ...é melhor dar bom dia ao diabo todo dia que brigar com o vizinho...
Casa da poetisa Cora Coralina
                                                           “Da janela da casa velha/todo dia, de manhã/tomo a benção do rio:/”Rio Vermelho, meu avozinho,/dá sua benção pra mim...” (Poema Rio Vermelho).


                                            Obedeça às mulheres. Acredite, coloque sentido, as mulheres compreendem melhor a casa, vivem melhor a casa, enfeitam as casas com flores e plantas, são melhores domófilas, por isso obedeça às mulheres herdeiras da intuição da caverna nestas questões domésticas. Se a mulher não quer vender a casa, não venda e evite problemas. Sua vida pode virar um filme de terror caso você desobedeça as mulheres neste assunto delicado.
                                                                                                                                    útero material
                                            As verdades da casaAs verdades da casa nos ensinam que se conhecemos a casa, conhecemos o homem, repare a diferença das casas, a casa pode ser tudo, pode ser nada, para uns e para outros; pode ser casa da discórdia, pois casa onde não tem pão, todos gritarão e ninguém terá razão e casa desprezada é casa de ferreiro, espeto de pau. 

Palácio Conde dos Arcos
Cidade de Goiás-Go
casa de ferreiro, espeto de pau
                                            A epilogar esta primeira parte. Neste momento, pergunto, para refletirmos, seria a casa o nosso disfarce material? Dentro da casa você é outra pessoa? Não precisa responder caríssimo leitor, são os nossos segredos de travesseiro guardados no guarda roupa dos segredos. Por fim, na poética da casa nunca podemos esquecer que ela é o nosso útero material, por enquanto indispensável, embeleza o espaço invisível, emblemático e inexplicável em razão da superficialidade da racionalidade em que estamos eternamente mergulhados. É a mais fina matéria que  embeleza o elemento invisível chamado de espaço espaço.

                                     
 Igreja do Carmo - Cidade de Goiás-Go

Vou voltar para a casa de meus pais
                                                                                                          

                                                             No caminho da casa havia um pé de limão. Uma tradição revelha, de antanho, quase obrigatória, das casas antigas era plantar um pé de limão no quintal, uma árvore que atinge até uns cinco metros de altura. Os frutos do limoeiro ou Citrus Limonum em latim na verdade é um verdadeiro remédio natural fornecido quase de graça pela mãe e madrasrta natureza, pois sim, a natureza é mãe e madrasta, o uso de seu fruto faz com que o ser humano viva mais de acordo com as leis da natureza, um achado para o frágil e mortal organismo.  O pessoal das antigas indicava o limão, o fruto hesperídio ovóide,  para acne, acidez na boca, apendicite, asma, diabetes, caspa, cirrose e quem diria até para o alcoolismo. Esta planta da família das rutáceas, com aquelas folhinhas verdes ou verde  é indicada até para aneurisma, ou seja, o nosso corpo tem os chamados humores e eles vão se intoxicando, ficando pesados, sujos, e o limão deverasmente tem o poder de purificar o sangue. É bom para a obesidade, inventaram regime comendo isso e não aquilo, comendo só aquilo e olhando para a lua, mas ninguém indica o nosso limão, hoje arrancado dos quintais que restam e olhado com desprezo pelos que chegam neste mundo, sem nenhuma sabedoria matemática. O limão, por não ser muito agradável de ser ingerido certamente não venderia os livros que emagrecem milagrosamente. Sífilis, sinusite, tosse, tosse de cachorro, escorbuto, laringite, lepra e dispepsia estão no rol deste abençoado remédio caseiro. Não se esqueçam que é indicado até para úlcera gástrica, quando dizemos isso o cidadão abre a boca, faz cara de bobo, coça levemente a cabeça, dá ares de incrédulo, mas é uma verdade escondida na sabedoria antiga. Hoje já sabemos que as úlceras são causadas por uma bactéria e bactérias não gostam de limão É bom para envenenamentos, gripe, mau hálito, vômitos e até é bom para a impotência. O seu uso pode provocar uma certa urticária ou coceira, o que indica que ele está fazendo das suas ou  rareando o sangue do indivíduo e não fazendo mal. O povo antigo conhecia a chamada cura do limão, pergunte ao seu tataravô. Esta cura consistia no uso diário de um limão no primeiro dia, aumentando-se um por dia até se chegar aos 10, ao depois, ia-se diminuindo o uso de um em um até se chegar novamente a um limão por dia. Neste tratamento tínhamos os radicais que começam com dois limões, aumentavam-se dois por dia até 20 e depois colocava ré no procedimento até dois limões. Imaginem o paciente tomando 20 limões, depois 18, 16, quão durão era. Haviam também os radicais dos radicais, estes eram bem firmes, começavam com três limões e aumentavam a dosagem de três em três até chegarem aos trinta limões e voltavam o processo até os três. Ás vezes era o desespero no desespero, não haviam médicos e remédios de farmácia, um achado e o povo na sua vida pragmática tinha a sua farmácia no seu quintal. Os detestáveis apartamentos atuais, verdadeiras  granjas de homens tristes e amarelos, jamais posibilitarão uma rutácea em seu quintal. O indivíduo pode adicionar o útil ao agradável, ou seja, usar o limão com uma boa quantidade de água, assim, estará abatendo dois coelhos com uma única cajadada ou dando mais vida ao seu frágil e passageiro organismo. As mulheres gostam de pingar caldo de limão em carnes e outros alimentos, uma boa prática, já que ele amolece o alimento e ajuda a combater as bactérias. Qual o fígado que não ficaria satisfeito com uma boa dose de limão? Estas informações foram alegremente colhidas no livro As Plantas Curam, edição de 1986, págs. 196/200 de A. Balbach.

...o fruto hesperídio ovóide...
                                                
                                                      Depois de tanto materialismo. Depois destas elocubrtações iniciais podemos dizer que a casa tem uma filosofia que podemos chamar de verdadeira. Esta verdade é atávica e vem lá das cavernas habitadas pelos nossos antepassados. Quando dizemos que a casa enfeita o espaço invisível ficamos com a impressão que há algo de verdadeiro, algo além do simples material em uma casa. Ora, ora e ora se pensamos assim, certamente, é porque há algo de especial e este algo é quase indescritível, um verdadeiro mistério. As coisas inesplicáveis são ótimas, não devemos ter preconceitos a respeito. Essas idéias formam uma espécie de materialismo, um bom materialismo, onde o ser como realização material contempla o verdadeiro bem, se contempla o bem está contemplando a sua próprioa essência, assim, contemplar a casa é contemplar o bem, a essência do homem. A casa tem uma filosofia materialista.


                                                                         A casa como cinema. Um dia chuvoso, em que a trevas  mais altas tomam conta do indefeso espaço invisível, sendo estas trevas infernais sacudidas de quando em quando por retumbantes e mortíferos raios no céu invisível. Neste barulho estrondoso,uma  guerra dos elementos travada na sombria natureza,  ligar o domesticado eletrônico, colocar o botão no ponto certo, não sentir medo do vento que uiva lá fora e assistir o impagável filme El Mariach trará imensas e abundantes alegrias a todos nós. Será um prazer indizível, e as nossas reflexões perguntarão, em estupefação, quem é Robert Rodriguez e digo que ele é o diretoir do filme. A pelicula por incrível que pareça custou menos de 10.000 dólares, isso mesmo menos que isso. O diretor fez de tudo, só não atuou porque não tinha quem segurasse a câmara. A merreca que tinha para o filme foi graças a venda de uma casa e servir-se como cobaia em remédios experimentais. As cenas em movimento foram feitas em cima de uma cadeira de rodinhas quebrada. Carlos Gallardo e a bela morena Consuelo Gómes estão ótimos. Robert Rodriguez nasceu no Texas nos Estados Unidos e o filme é de 1992.



Do diretor Robert Rodriguez