Total de visualizações de página

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Decifra-me ou devoro-te!


Esfinge, filha de Ortro e Équidna
                                                  


                                                       Na mitologia grega a imaginação flutua no consciente e no inconsciente, daí a abundância de narrativas envolvendo saborosos monstros. São criaturas atormentadas, outros injustiçados, estes tem como único erro o fato de terem nascidos. As narrativas sobre eles são verdadeiros mistérios, enigmas, a serem desvendados sob pena de se assim não fizermos, sermos devorados. O erro neste estudo mítico dos monstros é o olhar superficial, como se os gregos e suas religiões fossem simples pagões ou ateus desprezíveis sem maiores conteúdos. Neste artigo vamos tentar desvendar a Esfinge, monstro com uma verdadeira tragédia de vida, como monstro indecifrável e decifrável. Na soleira da porta, assinalamos que a  Esfinge, conhecida como A Cantora Cruel, tem uma ascendência complicada, é filha da Senhora Équidna e Ortro, até aí tudo bem, um pai e uma mãe, só que Ortro é filho de Équidna e de Tífon.




Ortro, filho de Équidna e pai da Esfinge


                                                       Incesto entre monstros. Assim, caríssimos, temos um incesto entre mãe e filho, entre Équidna e Ortro e a Esfinge como produto acabado, como o enigma, algo que não foi decifrado, algo que não foi interditado, um escandaloso incesto entre monstros. O incesto, a proibição entre mãe e filho, se revela em um ser monstruoso que tem o rosto e seios de mulher, mas corpo, patas e rabos de leão. A tudo isso foi adicionado as asas, as asas da imaginação. Esfinge ou Sphinks em grego se origina do verbo sphíngueia que significa entre outras coisas sufocar, apertar ou comprimir. O nosso monstro sufocante é irma das Serias, aquelas das vozes doces que em seus cantos atraíam os marujos para o mar momento em que eram devorados. Ulisses em latim ou Odisseu em grego, o herói da Odisséia, venceu elas quando se deixou amarrar no mastro da embarcação, sem colocar tampões nos ouvidos.


                                                       Não confunda este monstro com a Esfinge egípcia que sempre aparece nas nossas lembranças, muito comum em fotos e filmes.


                                                      Esta imaginação monstruosa representa a interdição do incesto, a base da civilização, pois faz uma ligação clara entre monstros e incestos? Se parentes consaguineos se unem, as consequências genéticas podem ser terríveis, com aleijões e portadores de doenças mentais daí o interesse social em que a descendência seja saudável e garanta o futuro genético da espécie humana.


Équidna, mãe de Ortro e da Esfinge
                                                       Os pais da Esfinge. Équidna, mãe da Esfinge, da cabeça até a cintura era uma bela mulher de olhos cintilantes e da cintura para baixo uma serpente. Este monstro é a mistura fantástica entre mulher e serpente que se une ao filho cão Ortro e dá origem a Esfinge, ao enigma, a interdição do incesto, aos pensamentos proibidos do inconsciente. O incesto é a libido insaciável, desregrada, a própria Équidna, ou porque não a própria Esfinge produto descartável do inconsciente, o enigma do incesto.  Hera, esposa de Zeus, a protetora dos casamentos legítimos, como uma espécie de punição, enviou a nossa Esfinge para a entrada da cidade de Tebas para que devorasse os passantes caso eles não desvendassem um enigma proposto por ela.

Tífon esposo de Équida e pai de Ortro

                                                        O enigma da Esfinge. A Esfinge vivia na entrada da cidade de Tebas na Grécia aterrorizando os passantes  quando impunha o seguinte enigma de forma cantada, por isso é conhecida como A Cruel Cantora:


                                                      O QUE É QUE É, QUE DE MANHÃ TEM QUATRO PERNAS, AO MEIO DIA DUAS E AOS ENTARDECER TRÊS.



                                                      Édipo. Caso, o arguido, o indagado não respondesse corretamente, sem maiores delongas, era devorado pela Cantora Cruel. Édipo, Edipodos em grego que significa o dos pés furados ou inchados em grego, filho de Laio e Jocasta ou Epicasta, fato desconhecido por ele, já que fora abandonado no Monte Citerão e criado pelos reis de Corinto Pólibo e Peribéia ou Mérope conforme Sófocles,  se dirigia todo atormentado para Tebas vindo do Templo de Delfos. 



                                                       Vejam só o precipício dos fatos, o oráculo de Delfos tinha respondido para Édipo que ele mataria o pai e se casaria com a mãe, assustado evita Corinto, onde vivia com os seus pais de criação, fato desconhecido por ele. Sem dúvida nenhuma, Édipo não é um monstro mas faz papel de um, envolvido pelos segredos do destino. 


                                                       A volta do nosso demônio ou Édipo encontra Laio. Desta vez, caríssimos, o nosso demônio, o que tudo observa em uma moita, aquele que ficou decepcionadíssimo com o insucesso do devoramento no Dilema do Crocodilo em letras góticas, estava bastante otimista com o desenrolar destes acontecimentos, com a novela dos Lambdácidas, origem familiar de Édipo. Apostava todas as suas fichas no desentendimento entre pai e filho e resolveu acompanhar o evento traçado pelos deuses gregos, apenas, para deleites.  Vamos ao ocorrido enquanto o diabo pisca um olho.Uma resposta logo apareceu para Édipo, no caminho para Tebas, encontra nada mais nada menos com o seu pai verdadeiro, com Laio, Rei de Tebas, o qual ia para Delfos consultar o oráculo dali  sobre como se livrar da Esfinge que dizimava a população de Tebas, justamente, de onde Édipo vinha. Os dois se desentendem na estrada, por bobagens, ou um não dando caminho para o outro. Édipo, enfurecido nas desavenças, mata Laio. Desta vez o demônio viu que a vitória estava garantida ou que o incesto estava garantido e em êxtase, saiu correndo pela estrada rindo da largura de uma enxada, dando pulinhos e pulões, a jogar pelos ares todas suas bolinhas de enxofre que trazia em seu embornal enfeitado por cruzinhas negras, deixando Édipo preso ao seu negro destino. Para que tudo desse certo inoculou na mente de Édipo uma palavra enigmática que ficou ali quentinha saltando de neurônio em neurônio dando uma força aos deuses gregos.

                                                          Édipo encontra a Esfinge. Empós o parricídio, Édipo mais na frente, na entrada de Tebas, precisamente no Monte Fíquion, depara com a devorante Esfinge. Essa pergunta foi feita pela Esfinge a Édipo que ao dizer que a resposta correta era o homem fez com que a Esfinge pulasse no despenhadeiro e morresse, que fosse devorada por si mesma. A população de Tebas em êxtase, agradecida, livre do incesto materializado, livre da Cruel Cantora, fica agradecida, nomeia Édipo rei, com o consequente desposamento de Jocasta, a sua mãe, costume e tradição na época ou a rainha era ligada ao trono e não ao marido. Édipo e Jocasta se unem e dão à luz a outros enigmas, aos filhos Etéocles, Ismênia, Antígona e Polinice. Aliás, Antígona de Sófocles é uma bela peça teatral, imperdível, texto que apresentarei em breve. Tudo isso é uma tragédia, a maior tragédia de todas, o filho que mata o pai, a mãe que casa com o filho. A tragédia é maior pela inocência de todos, o pai não sabia que era morto pelo filho, a mãe que o filho matara o pai, Édipo que não sabia que desposava a mãe.


                                                       Édipo e a Esfinge, a Esfinge e Édipo, dois monstros atormentados, em comum o incesto, a proibição mãe e filho. Tomem tento, prestem a atenção, Édipo não decifrou o enigma, aparentemente, decifrado, pois cometeu incesto com Jocasta. O homem, o homem civilizado decifrou o enigma,como regra geral, não comete incestos, narra estórias monstruosas desestimulando o proibido. Reconhecemos que Édipo não tinha como decifrar o incesto, o enigma, às vezes é impossível decifrá-lo, está além das forças do homem do homem comum.

                                                       Freud, Sófocles e The Doors. Desta tragédia Sigmund Freud extraiu O Complexo de Édípo ou a atração entre mãe e filho, consciente ou inconsciente; Sófocles, um dos maiores dramaturgos da Grécia antiga ao lado de Eurípedes e Ésquilo, -497 ou -496 a.C.-406 ou -405 a.C., escreveu um dos maiores clássicos da literastura mundial ou Édipo Rei, um livro apaixonante, que devemos ter sempre à disposição, em cima do criado no quarto além de Édipo em Colono e Antígona, também de Sófocles;  o conjunto The Doors fez uma música famosa chamada The end, o fim, o fim da picada, o incesto, em homenagem a esta tragédia edipiana.

                                                        O enigma continua. O homem é o maior dos enigmas, não há respostas satisfatórias. Na verdade o enigma dos enigmas a ser desvendado é o homem, puro barro enigmático, o homem tentando desvendar a si mesmo, tentando conhecer a si mesmo, caso não seja bem sucedido, será devorado por um monstro, por uma Cantora Cruel ou por si mesmo. O enigma, A Esfinge são problemas, obstáculos, a serem superados pelo homem que se pretende ser civilizado. O incesto proibido, o caos, a falta de regras, o homem sem limites é apenas parte do enigma desvendado. Tudo levando a destruição, ao devoramento, no apocalipse das contas, Jocasta suicida-se, Édipo rasga os olhos com um grampo, com os olhos malferidos vaga pela Grécia, em busca de respostas, a sua filha Antígona conduz-o pelo braço. O maior dos enigmas, ou seja, o próprio homem, o que pensa depois, o vaso de tampa larga portador de todos os males, continua sob as nuvens pálidas do grande mistério. Na solução dos enigmas, não se esqueçam, sempre poderemos contar com Édipo, com a Cantora Cruel, Équidna, Tífon, Ortro, Laio e Jocasta, todos seres atormentados, monstros do inconsciente e do consciente, monstros necessários. O enigma foi lançado, não há volta, não há recusa, nem devolução no balcão da vida: decifra-me, ou devoro-te. Por favor leiam Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona, todas obras de Sófocles, livros básicos deste texto e comece a desvendar enigmas.
Édipo e a Esfinge, pintura de Gustave Moreau



                                                          

Nenhum comentário:

Postar um comentário