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sexta-feira, 13 de maio de 2011

A Princesa de Bizâncio e o escândalo do Garfo

Antiga Bizancio
                               Pergunta risível. Mão por baixo, mão por cima, cautelosamente, pergunto: o uso de um simples garfo pode provocar um grande escândalo na sociedade com a posterior morte da vítima? Deverasmente, se o caríssimo leitor pensoso estivesse em Gênova, no século XI e usasse este banal e comezinho utensílio. Nesta época o costume era comer com as mãos ou com uma faca. O garfo era desconhecido.  Se você usasse um garfo, o escândalo seria favas contadas, como dizia Machado de Assis, 1839-1908 d.C., com riscos palpáveis de perder a sua vida. Narrarei a história da princesa de Bizâncio depois de antelóquio ou reflexão e refletir é pensar com humildade. O garfo é filho do espeto, inicialmente com dois dentes, depois três e finalmente quatro. Os napolitanos comeram espaguete com as mãos por muito tempo, o garfo só tinha três dentes o que dificultava enrolá-lo. Fernando II de Bourbon, rei de Nápoles, adorava um espaguete e comia escondido, não queria ser visto comendo com as mãos. O seu despenseiro real, Gennaro Spadacini, refletiu e colocou o quarto dente, resolvendo o problema.
São Boaventura
 

                               Antelóquio ou reflexão. A história do garfo é um campo fértil para a reflexão. Hoje estamos no século XXI, dez séculos depois, ou seja, 1.000 anos depois do caso da Princesinha de Bizâncio e ninguém mais neste mundo sem fundo se importa mais com os garfos que estão sempre à mão e eles já se "desenvolveram" tanto que são até descartáveis. O que nos provoca escândalos hoje! Quais são as nossas verdades fossilizadas? Daqui a 1.000 anos os nossos descendentes vão rir de quais loucuras, com ares de verdade, que cometemos todo santo dia? Destarte, este texto é um convite à reflexão, a pensarmos diferente e porque não tentarmos estar à frente 1.000 anos. É difícil, refletir demanda muita energia cerebral, contudo, no mínimo devemos estar atentos, uma boa idéia, produto da reflexão, pode vir de mão beijada. Não podemos esquecer que tudo é movimento e mudança. Reflexão é movimento com possibilidade de mudança. Somos filhos da reflexão, devemos refletir com mão diurna e noturna. Muitos ficam fora de mão, na contramão, sem perceberem que isto é cavar a própria perdição, ficar com uma mão atrás e outra na frente. Alguns dizem: as coisas sempre foram assim! Não tem jeito! Esses, com certeza, irão perder o bonde da história, é questão de tempo. O poder da reflexão é sesquipedal, o método caminhar e refletir é uma dádiva dos gregos. Aristóteles, 384-322, a.C. já adotava na Grécia o método de caminhar e lecionar. Este método aristotélico tem uma palavra que estimo muito: peripatetismo. Não é à toa que muitos, sabiamente, caminham para cismar melhor, pode ser feito até com as mãos na algibeira, descontraidamente.                                                              

Aristóteles, caminhar e ensinar,
peripatetismo

                              Refletir é pensar com humildade, sem escândalos, desconfiar da própria roupa que usamos. É acender o farol da razão. É triste contemplarmos pessoas jovens que são verdadeiros adoradores do passado e de verdades fossilizadas, quando o mistério do passado, a história, demanda darmos mão forte à reflexão. O filósofo David Hume, 1711-1776, observou que o que nos guia quase todo o tempo são os hábitos, o costume de fazer sempre as mesmas coisas, inclusive aceitas por todos, assim, diante deste contexto imaginamos que estamos repletos de verdades, que somos donos da verdade. A força do hábito é avassaladora, o nosso guia, nos ajuda, gastamos menos energia cerebral para fazermos as mesmas coisas, basta repetir, contudo, é aí que mora o perigo, o hábito é uma mão dupla, ajuda e atrapalha. Odiamos refletir, por a mão na massa cefálica, isto demanda energia que não queremos pagar. Refletir tem um preço: a sociedade não  gosta muito de quem pensa, principalmente os velhacos. 
   
David Hume e o hábito como verdade
                 A Princesinha de Bizâncio. Pacientíssimo leitor meditabundo, vamos refletir, só para nos situarmos, Gênova fica na Itália e é o principal porto marítimo e centro industrial do norte da Itália, ganhou importância histórica como núcleo da atividade econômica européia entre os séculos XII e XIV. É a capital da província do mesmo nome e da região da Ligúria e situa-se no noroeste da Itália, no golfo de Gênova. No século XI, Teodora Ducas, uma princesinha de Bizâncio ou Império Romano do Oriente casa-se com Domenico Silvio, um Doge de Gênova, ou seja, um magistrado supremo das antigas Repúblicas de Veneza e Gênova. Neste ponto é de bom alvitre uma pincelada de história, no ano de 395, Teodósio dividiu o império romano em duas partes: Império Romano do Ocidente, com capital em Milão e Império Romano do Oriente, com capital em Constantinopla. O Império Romano do Oriente no século XI era mais refinado que o do Império Romano do Ocidente. Os casamentos arranjados entre os impérios era costumeiro. A nossa princesa civilizada deita mão em um garfo e o traz na sua bagagem para Gênova. A verdade, a regra na época ali era comer o sagrado alimento com as mãos, nada de usar garfo. Podia-se usar no máximo uma faca. O escândalo foi geral em Gênova pelo uso do garfo. Uma faca era tudo na época, arma e ferramenta. A faca era usada para matar um animal, palitar os dentes e o melhor, um bom instrumento de defesa. A faca fazia parte da indumentária varonil ou de um nobre, se eles iam a uma festa cada um levava a sua faca, os convivas ainda não tinham perdido em favor do anfitrião o direito de usar os seus próprios meios de cortar os alimentos. Ninguém botou a mão na consciência, a princesa é insultada. Hoje os homens veêm discos voadores aqui e acolá, naquela época medieval os homens viam demônios em todos os cantos e em todas as coisas. Como não poderia deixar de ser a Igreja Católica meteu a mão na cumbuca e viu demônios dançando e perambulando no garfo e se posicionou contra o inofensivo utensílio. São Boaventura, 1240-1284, famoso teólogo da igreja, à mão-tenente, num sermão acusa a princesa de ímpia. É necessário trazermos à baila uma circunstância atenuante em favor de São Boaventura, a antipatia pelo garfo era em razão dele ter o formato de um tridente ou forcado, instrumento que o diabo estava sempre carregando nas iconografias clássicas. Outra tese da igreja era que o alimento, dádiva de Deus, devia ser levado à boca diretamente pelas mãos sagradas dos homens. A princesa não aguentou a mão, não teve mão de si, logo vem a morrer, os donos da verdade acreditam, piamente, que Deus a castigou por sua soberba em usar um garfo, ferramenta do diabo, nas refeições. Alguns séculos se passam, estamos na Renascença, movimento cultural iniciado na península itálica entre os séculos XIV e XVII, o garfo, finalmente, foi aceito como utensílio de pessoas civilizadas e comer com as mãos ou usando só a ponta de uma faca, se tornou apenas hábitos de pessoas toscas. Em Paris, o garfo chegou com o enxoval de uma mulher, Catarina de Médici, da célebre família que dominou Florença neste período, que ao casar com o futuro rei da França Henrique II, levou os seus talheres.  

...o certo e o errado como hábito...
                               Epilogando. Pondo a mão no fogo, afirmamos que a reflexão é o fermento da razão, uma mão na roda. As nossas idéias, as nossas verdades, são efêmeras e periculosas, podem matar as princesinhas de Bizâncio. O certo e o errado, na maioria das vezes, não passam de hábitos, costume que nos aferramos, David Hume é sempre lembrado por este alerta. Pacientíssimo leitor pensabundo, dando mãos à palmatória, o que me deixa intrincado, isso mesmo, mordido da cachorra da molesta, é que se eu fosse um Genovês do século XI, por deveras, teria condenado a princesa Teodora Lucas e o pior é que, talvez, até tu, caríssimo leitor se estivesse no século XI a condenaria. Quando refletimos estamos em boas mãos, contudo, cuidado, muito cuidado, para não colocar a mão na cumbuca com as suas meditações. Reflita com moderação!     

...refletir é pensar com humildade...
Contantinopla, hoje Istambul, Capital da
Turquia, visão da ponte que liga o continente
europeu ao asiático. Foi fundada em
667 a.C. pelos gregos

                                     Zé Perrengue. Muita saúde a todos!

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sexta-feira, 6 de maio de 2011

Oscar Wilde

                             Caríssimos leitores, por favor leiam Oscar Wilde (1854-1900), se não for possível virar um fã, pelo menos leiam O retrato de Dorian Gray. Esta leitura vai trazer muita saúde espiritual a todos.

                             Tive o privilégio de ler duas vezes O Retrato de Dorian Gray, não sintam inveja, o livro é leve e em uma semana ou menos é possível lê-lo na maior lerdeza. Na última leitura analisei melhor um dos personagens: Lorde Henry, uma espécie de filósofo sarcástico do comportamento humano, um filósofo do mal, talvez, discípulo de Thomas Hobbes, aquele que diz que o homem é o lobo do homem. Este personagem é o próprio Oscar Wilde querendo nos levar para o caminho do mal, uma deliciosa tentação. Não podemos esquecer que, em resumo, na verdade o escritor é todos os seus personagens. No livro o personagem Dorian Gray faz um pacto com o demônio em busca da juventude eterna. Cinismo, ironia e sarcasmo estão presente em sua obra como características marcantes.



                               Cito alguns pensamentos de Lord Henry da obra O Retrato de Dorian Gray:

                             

                               "...pois no mundo só existe uma coisa pior que falarem de nós: é não falarem de nós."


                               Caros amigos, realmente, deverasmente, nunca vi ninguém chutar cachorro morto, nem os loucos de pedra e cerca de arame.

                                "A intelectualidade é em si um exagero e destrói a harmonia de qualquer rosto. Desde o instante em que alguém senta para pensar, torna-se todo nariz, ou todo fronte ou alguma coisa assim horrível. Repare nos homens que triunfaram nas profissões intelectuais. Como, de fato, são horrendos! Exceto, naturalmente, na igreja. Mas na igreja ninguém pensa.

                                Foi muito picante com o rosto dos intelectuais e também quando disse que na igreja ninguém pensa. Algumas décadas antes você seria queimado em uma fogueira, se não explicasse tudo tim tim por tim tim essa coisa que ninguém pensa na igreja. Conheci uma pessoa que conseguia pensar na igreja. Tudo bem, só que toda crítica é positiva, valeu Oscar Wilde, por isso, você continua vivo, Lorde Henry idem. A expressão "todo nariz" é bela,  vamos usá-la.
                                
                                "Aprendi a amar o segredo. Parece ser a única coisa que pode tornar a nossa vida misteriosa ou maravilhosa. A coisa mais vulgar nos parece deliciosa, se alguém a esconde de nós."

                                 Lorde Henry, as pessoas são curiosas.  Jogando uma bolinha de enxofre, você não conhece as da Vila Boa, talvez o esporte preferido da humanidade ou o melhor da vida é xeretar a vida alheia. A decepção é que descobrimos que a vida do outro é tão brega quanto a nossa e até cheia de dívidas.

                                 "E, quanto a acreditar nas coisas, acredito em todas elas, desde que sejam totalmente inverossímeis."


                                  Essa é de babar  Lorde Henry! Por isso gostei de você. Agora entendo porque certas pessoas acreditam em objetos voadores não identificados com revista nas bancas e tudo o mais que o cidadão tem direeito, certamente, desde que pague a sua crença. A democracia do capitalismo é reluzente.

                                  "Meu irmão mais velho teima em não morrer, e os mais novos dão a impressão de querer imitá-lo"
                                  

                                     Isso parece o humano desumano.


                                      "...mas não se pode por em dúvida que o gênio dura muito mais que a beleza."


                                       "O infiel é que conhece as tragédias do amor."


                                       " - Não existe influência boa, sr. Gray. Toda influência é imoral...imoral do ponto de vista científico."


                                       "- Porque influenciar uma pessoa é transmitir a nossa própria alma. Ela já não pensa com os seus próprios pensamentos, nem arde com as suas próprias paixões."

                                       "O único meio de nós livrarmos de uma tentação é ceder a ela."

                                        Caríssima cambada, tá explicado porque Oscar Wilde foi preso. Dizer para cedermos a tentação para nos livrarmos dela no século XIX foi desafiador, demoníaco. Realmente, sangue de Jesus tem poder. Fiquei com inveja de sua coragem só comparável a do finado Osama Bin Laden. Na verdade Oscar Wilde foi preso por  "cometer atos imorais com rapazes". Era homossexual e isso na Inglaterra era crime.


                                        "Só o medíocre não julga pelas aparência. O verdadeiro mistério da vida é o visível, não o  invisível...sim, sr. Gray, os deuses foram generosos para com o senhor. Mas o que os deuses dão, tomam logo em seguida."

                                          Isso é verdade, os gregos viviam dizendo que eles não podiam confiar nos seus próprios deuses. Lá na Grécia os deuses eram invejosos, vingativos e tinham todos os outros defeitos humanos. Sobre a religião grega da qual sou temente a Zeus, Afrodite e Dionídio digo sempre que sou admirador de sua democracia. Nela o homem comum pode casar com um deus e até se tornar um deles.
                                   
                                         "  Os jovens querem ser fiéis, não o são. Os velhos querem ser infiéis, e não conseguem."

                                          Pelo menos tem muito valetudinário tentando a missão impossível.
                                                
                                          "...a maioria das pessoas morre de uma espécie de senso comum progressivo, descobrindo, quando é demasiado tarde."


                                          "Os homens se casam por cansaço e as mulheres por curiosidade. Ambos ficam decepcionados."



                                           "O único encanto do passado reside justamente no fato de ser passado."

                                            
                                            "A humanide leva a si mesmo demasiadamente a sério. É o pecado original do mundo."

                                               "Tudo o que não conheçemos ou não entendemos, condenamos!" (enviada por Weidy)

                                              Um belo pacto com o denônio, digo,  uma bela trilogia cultural é assistir o filme Dorian Gray - Pacto com o diabo de 2001 e depois The Picture Of Doryan Gray de 1945, isso tudo antes de ler o livro.
                                      
                                            Se vocês querem mais moleza vamos ler o livro e localizar as frases. Faço um desafio, leiam o livro e encontre outros frases e me mande. É um blogue totalmente interativo, o primeiro do Brasil.

                                                            Este suspense é terrível. Espero que dure. (Oscar Wilde)

                                                            Muita saúde a todos.

                                                             Zé perrengue.





                                                                         Oscar Wilde


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domingo, 1 de maio de 2011

Do atropelamento dos bichos e das estradas

uma vida que merece ser vivida
Tamanduá Bandeira, os bichos são criaturas
inocentes, portadores de uma vida que merece
ser vivida


...adoradores de adrenalina...

                                                                   A Hecatombe. É de doer, de sangrar os nossos corações, empedernidos pelo movimento criado nas estradas, o atropelamento e a grande hecatombe de bichos nas estradas brasileiras causados pela falta de sensibilidade dos motoristas e pela ausência de uma política do Estado brasileiro. É um conflito, uma controvérsia entre o dionisíaco (natureza em sentido amplo) e o apolíneo (movimento em sentido amplo) ou a luta pela sobrevivência desesperada dos bichos e o movimento criado pelo homem em seus veículos, um movimento no pior sentido, um tosco movimento criando despedaçamentos ou carniças miasmáticas. Da mortandade humana pela violência nas estradas nem é preciso dizer nada, a hybris ou a desmedida humana em grego, está escancarada nas manchetes da imprensa. Se fizermos uma viagem curta, não é raro encontrarmos um Tamanduá abatido ainda agonizante na estrada e passarmos pelo bicho em silêncio, contudo constrangidos, com a cena dramática, com tanta animalidade humana, no péssimo sentido da expressão. Entre as maiores vítimas, além dos tamanduás, estão o lobo-guará (Crysocyon brachyurus), o maior canídeo da América do Sul, a ema (Rhea Americana), a coruja-do-campo, raposas, tatus, aves, répteis, anfíbios e muitos outros. Falando dos Tamanduás, palavra tupi que significa literalmente caçador de formigas, por isso são chamados igualmente, de papa-formigas, são nossos parente não muito longe, pois é um mamífero xenartro, da família dos mimercofagídeos, encontrado do México à Argentina. Possuem hábitos noturnos, saem à noite em busca de alimentos e acasalamentos, são lentos e a sua estratégia de defesa é especial, quando são ameaçados por um predador põem-se de pé e abrem os braços mostrando as suas enormes garras. No entanto, esta estratégia contra veículos-predadores é fatal no momento em que são ofuscados pela luz intensa destes.


                                                       Querendo ajudar. Se pararmos para ajudar um animal silvestre abatido e ainda agonizante correremos riscos de também sermos atropelados por um louco ao volante, fato que não é aconselhável. Outro empecilho que ainda podemos enfrentar é o legal, pois o transporte de animais silvestres sem autorização não é permitido. Alguns atropelem os bichos por simples capricho mórbido ou ainda nada fazem para evitar um atropelamento como, por exemplo, desviar o veículo ou diminuir a velocidade. Parece que se sentem psicologicamente diminuídos fazendo algo por um bicho, como se fosse coisa de fraco. Não podemos ficar só com a loucura humana de empalhar animais atropelados nas estradas para que as futuras gerações os conheçam.


                                                        Um ciclo vicioso. O número de carcaças à beira das estradas é estarrecedor. Não há estatísticas confiáveis a respeito do número de animais atropelados, algumas revelam que são aos milhares. Estas carcaças em decomposição provocam mais mortandade de bichos, pois outros sentindo o cheiro miasmático que exalam se aproximam das estradas para comê-los gerando novos abates de aves e mamíferos.

                                                         Estrada de cruzes. As nossas estradas estão cheias de cruzes, elas são verdadeiros matadouros de homens e bichos. Estas cruzes não só deveriam lembrar os nossos mortos como também os animais silvestres que morreram vítimas dos homens. A cruz é símbolo de mistério, de enigma, além de significar sofrimento e martírio. Outra mística da cruz é a do fracasso. Deveríamos então encher as estradas com milhares de cruzes representando o nosso fracasso em evitar o massacre dos bichos, o nosso fracasso em preservar vidas que merecem ser vividas. Ainda, outro código místico da cruz é o amor como síntese final das ações humanas, e este passa pela caridade do homem para com os bichos. Esta caridade é urgente.

A cruz é símbolo do fracasso

                                                        A seca como agravante. Na época da seca há uma redução de oferta de água para os animais e sem este elemento disponível em abundância a vegetação fica mais seca, diminuindo a oferta de alimentos e, por conseguinte, os animais passam a percorrer áreas maiores em busca da satisfação de suas necessidades quando são surpreendidos na malha rodoviária que se torna uma armadilha pior que aquelas colocadas no mato.

O frágil cerrado atacado pelos
adoradores de adrenalina tudinho com
 a conivência de governos, imprensa e
indústria automobilística.

                                                        Ralis da vergonha. Os festejados ralis estimulados pela indústria automobilística nossa de cada dia, na promoção de seus reluzentes veículos, são outra ameaça hercúlea aos animais silvestres. A malha rodoviária tradicional não é suficiente para os caprichos do inconsciente humano de movimento a qualquer custo. Os badalados e reluzentes off road viraram moda, brotarão ad futurum como a peste negra ou bubônica que devastou a Europa entre 1347 a 1350, ou seja, o problema se agravará. Novas trilhas virgens são improvisadas para que o movimento no sertão seja cultuado. A destruição da fauna e da flora nunca é noticiada pela imprensa que escamoteia as mazelas por pura velhacaria, de olho no orçamento de marketing. Os eventos são mostrados como uma aventura inofensiva, um esporte praticado por pessoas apolíneas, sensíveis, adoradoras de adrenalina, aristocráticas e modernas. Brincando com Sigmund Freud, 1856-1939, diríamos que os veículos são brilhantes falos metálicos, portadores de surpreendentes movimentos penetrantes, estuprando a natureza ctônica, o frágil cerrado, com o aplauso infantil de uma platéia abobada com tanta virilidade bolinando o sertão. É o homem travestido de metais, borracha e vidro, o ser estéril se exibindo para si mesmo no rali do cerrado ou no rali dos sertões. O cerrado, símbolo rude da natureza, tem a sua fragilidade, a sua biodiversidadepapuda, não devem vingar. Não é de bom alvitre estes ofídios picarem borracha de pneu. O cerrado só deve ser invadido por bons eqüídeos e os seus ocupantes, pelos verdadeiros amansadores e domadores do tempo, passassem a contemplar apenas os buritis roseanos e queijandos ou a poesia misteriosa do cerrado que ainda não foi descoberta por alguns desavisados com ids cheios de serpentes ou intumescidos de adrenalina. Temos que dizer não às montadoras e escaramuçar estes metais corrosivos pilotados por sombras psíquicas, sem consciência, que tentam voar sobre o cerrado. Urge, ao contrário, trombetear pela imprensa o rali da proteção e recuperação do cerrado. O fato é que o movimento é sagrado, o cerrado idem.

                                                           

                                                            A fraqueza da lei. A Lei nº. 9605de 12 de fevereiro de 1988 que dispôs sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, não é nada eficaz diante de tanta mortandade e de diversos crimes contra a fauna, é uma hybris jurídica. É a paidéia do pouco, o diploma legal é minimalista. Há doutrinadores encantados, exemplificativamente, com o dispositivo legal que abraça a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, contudo, tal avanço é quase uma perfumaria jurídica diante do gigantismo do problema. Pode e deve avançar mais. Geralmente quando, se mata culposamente um bicho em uma estrada não há previsão penal para isto, é apenas uma indiferença penal. Se for dolosa a ação, ficará tudo por isso mesmo, já que o Estado é impotente no combate à criminalidade, imagine quanto à proteção da fauna e da flora. Por outro lado seria ineficaz apenas penalizarmos criminalmente estes atos. Melhores estradas e conscientização é o caminho inicial.

                                                            Epilogando. Os veículos são vistos na sociedade contemporânea como algo útil e como símbolo social de poder, sem embargo disso, são muito mais que isto. Representam, outrossim, a hybris do homem ou a sua desmedida ou, ainda, a sua irracionalidade; representam um grande perigo, tanto para o homem como para os bichos. Outros, desavisados, encaram as estradas como um grande e infinito autódromo público, onde minutos amealhados nas viagens são buscados à custa de tragédias de animais silvestres e de valiosas vidas humanas. O trânsito como realidade humana do movimento, do continuum, urgentemente, deve ser encarado como matéria de relevância pública e de conscientização.
as estradas como um grande e infinito autódromo público
                                                            Um placebo. Se não temos estradas confiáveis nem para nós humanos não podemos imaginar quando alcançaremos as ecologicamente corretas em que fossem atendidos os interesses dos animais silvestres que também tem uma vida que merece ser vivida e sentida. Como solução paliativa sugerimos a promulgação de leis eminentemente educadoras, sem sanções criminais, ou no máximo com a obrigação de frequentar curso de conscientização e que tivessem ampla divulgação na imprensa as quais suplicaria em nome destes seres silvestres que os motoristas evitassem andar à noite, por ser o momento em que eles escolhem para atravessar as rodovias; que a lei recomendasse a redução espontânea da velocidade em lugares que a velocidade permitida fosse maior; sugerimos que a lei obrigasse o Estado a levar a cabo uma sinalização maciça e ecologicamente correta, tudo no telos, no objetivo, de minimizar o problema.

...caprichos de movimento a qualquer custo...
                                                            Z.

Por que a pena de morte deve ser abolida não só legalmente, mas de nossas mentes?

                                                                                                                    
Uma forca na escuridão à espera de
uma cabeça
                                                                                                      

                                            Porque a pena de morte deve ser, em definitivo, abolida, não só legalmente, mas de nossas cabeças. As discussões sobre a pena de morte são valetudinárias, se perdem na escuridão dos pensamentos. Quando um crime chocante ocorre a sociedade se revolta e cria uma névoa de ansiedade que envolve este fenômeno social, ou seja, um grande palco é armado, inconscientemente, para que possa ocorrer a punição do chamado criminoso, no entanto estes ingrediente são perfeitos para um grande erro judiciário, algo muito comum. Porque isso acontece? Porque temos sede de justiça, temos pressa de justiça, elementos psicológicos no fenômeno do crime. É um sentimento que se perde nos tempos.  A pena de morte foi uma prática usada universalmente para punir os crimes mais terríveis. Sua aplicação vem desde épocas remotas, tendo surgido entre as primeiras civilizações. Conforme o desenvolvimento da humanidade sua prática tem sido banida e a tendência é que sua aplicação seja reduzida ou extinta. Durante muito tempo foi aplicada de modo consensual e acabava por se transformar em espetáculos públicos quando de sua execução, um verdadeiro circo em que o palhaço era o carrasco.

                                     Os defensores da pena macabra elencam três argumentos ou teses capitais para a sua previsão jurídica:

                                         Crimes graves devem ser punidos exemplarmente. Os defensores desta tese acreditam que certos crimes devem só ter uma resposta social ou a pena de morte como pena exemplar. É a velha Lei de Talião que continua assombrando.No entanto, todo o radicalismo afronta o princípio da racionalidade humana e jurídica. Se o homem quer ser racional duvido que este seja o caminho.
Cadeira Elétrica
O escândalo da pena
 de morte

           Intimidação e Prevenção. Segundo alguns a pena de morte intimida os infratores e sendo assim ela tem um caráter preventivo. Estudando o assunto, as estatísticas não confirmam esta tese. Países em que a pena de morte foi abolida não houve o aumento da criminalidade e nem a diminuição quando esta pena foi criada.

                                      A sociedade não deve sustentar criminosos. Este argumento é falacioso uma vez que o crime é de grande interesse da sociedade. A sociedade tem interessa na culpa e na absolvição do acusado, o que interessa é que não haja a chamada Justiça Privada ou Justiça Com Às Próprias Mãos, algo horripilante.O Estado gasta quantias estratosféricas com coisas de menor valor e o número de condenados à pena de morte seria pequeno. Ao contrário disso, aplicar uma pena severa com todas as formalidades legais seria caríssimo.
                                          
                                          
                                      Os americanos não aplicam esta pena? Um argumento secundário é este. No entanto, os americanos não são tão democráticos como eles gostam de dizer e muitos imaginam. Os americanos se julgam democráticos, mas a sua democracia ainda está longe dos valores ideais. A ONU já fez várias críticas duras sobre o seu sistema jurídico. A prisão em Guantánamo mantida pelos EUA é objeto de pesadas críticas de respeitáveis instituições internacionais. Será que todas elas estão erradas e os americanos certos?
                                      As antíteses mortais:

Capa da obra Leviatã
de Thomas Hobbes,
1588-1679
                                      O Estado tem direito de tirar vidas? A nossa resposta é não. A vida, a matéria, ainda, é um mistério, o grande segredo deste mundo, não compreendemos a matéria em sua essência, portanto, não é nenhum erro dar um caráter sagrado à qualquer espécie de vida. Se um homem não tem este direito muito menos o Estado. O grande olhar errado sobre o Estado é pensar que ele é uma espécie de Deus. Nas nossas observações empíricas temos percebido este olhar do cidadão comum em relação à esta entidade. O Estado é apenas uma ficção jurídica ou pouco mais que isso. Para nós a melhor definição do Estado é a demoníaca de Thomas Hobbes; este pensador vislumbrou o Estado como o grande Leviatã ou como um monstro, embora necessário. Em resumo, se o homem não pode tirar a vida de outrem, o Estado como um todo e composto de homens, como um conjunto fechado de homens, não pode tirar a vida. Sem embargo do Estado ser necessário, ele deve ser combatido diuturnamente como se fosse um Leviatã, nesta encruzilhada mora a beleza da democracia ou o homem é a favor e contra o Estado, neste jogo duplo teremos o seu aperfeiçoamento.                                                                                                                                                                                                                                 
                              Princípio da falibilidade humana. O Poder Judiciário como parte imprescindível do Estado é composto de homens de carne e osso. E onde tem a natureza humana teremos o princípio da falibilidade. O erro é um fantasma na vida dos homens, tanto é, que a parêmia latina errare humanum est é aceita como princípio de sabedoria. A dimensão da falibilidade humana é ligada à dimensão do erro judiciário, porquanto nossa justiça não é a justiça perfeita e absoluta, ao contrário, é falível, como falível é o homem. Assim, como o erro judiciário se apresenta diariamente em nossos tribunais e este é inevitável, a possibilidade de erro num julgamento deveria de afastar a possibilidade de aplicação de uma pena que traria em seu bojo o princípio da irreversibilidade. Falibilidade e irreversibilidade não combinam, é uma contradictio in terminis. Destarte, a pena de morte não combina com o homem, com o errare humanum est.
...O Estado como Deus...
                                    A pena perpétua seria suficiente. Explico que a pena perpétua não é, em muitas legislações, para sempre, é uma pena com uma longa duração. Como ir de oito a oitocentos sem passar pelo oitenta ou a pena perpétua. A resposta perpétua tem a inteligência de poder ser revista a qualquer momento. A punição maior depois de executada não teria mais sentido em ser revista, a não ser para efeitos indenizatórios.O ser humano é o ser da superação e, por conseguinte, capaz de melhoramentos, assim, depois de uma queda pode ocorrer a elevação do ser-queda-elevação.
...o Estado como monstro...
                                        
                                                                                                           ...só que toda vingança cheira mal
                                                                                              Traumas, escândalos e sensacionalismos. A pena de morte tem efeitos traumáticos e sensacionalistas em uma sociedade organizada e causa perplexidade no povo quando da sua aplicação, mormente com divisões ideológicas fervorosas tanto a favor como contra. Se toda Lei é regida por um princípio supostamente racional, com todas às veras, se esta pena pudesse ser substituída por outra como uma pena de duração longa, não haveria nenhum motivo para que isto não aconteça. A cruz foi um escândalo, a pena de morte é outro escândalo e o Estado, que deve pelo menos ter ares de sabedoria, deve sempre evitar traumas, escândalos e sensacionalismos. Muitas pessoas vivem de escândalos estatais, pensem em alguns setores da imprensa, exemplificativamente.
muitas pessoas vivem de escândalos
                                                     Motivos psicológicos e imediatistas.Com este raciocínio chegamos à conclusão que os reais motivos da pena de morte são psicológicos e imediatistas, ou seja, uma vingança levada a efeito pelo Estado em nome de uma sociedade traumatizada e imediatista.  Só que toda a vingança cheira mal, não é educadora no sentido maior da palavra, se agrada a muitos, causa perplexidade em outro tanto e no final não tem o efeito intimidador no combate ao crime. O crime como fenômeno social tem milhares e milhares de causas, basta pensarmos a respeito, não é uma causa isolada como a pena branda que leva ao delito.
  
                                      Dom Pedro II e o  desastre do Brasil na aplicação da pena de morte. O Brasil nunca foi feliz na aplicação da pena de morte, Dom Pedro II que o diga, no ano de 1.822 o Brasil se tornou independente de Portugal e no ano de 1.824 foi promulgada a nossa primeira Constituição, sobrevindo logo depois o Código Penal de 1.830. Ambos arcabouços jurídicos previram a pena de morte, a qual era cominada para os crimes de homicídio, roubo seguido de morte, insurreição e no caso de escravos que obtinham a liberdade com violência. O primeiro homem a ser condenado a pena de morte na vigência destes sistemas jurídicos foi o Sr. Mota Coqueiro no ano de 1.855, na cidade de Macaé, do Estado do Rio de Janeiro. Só que o apenado era inocente, tudo não passava de uma armação com finalidade política. D. Pedro II que na época se recusou a comutar a pena e, depois, ficou muito impressionado e abalado com a descoberta da inocência do apenado e a partir de então passou a comutar sistematicamente qualquer pena de morte. Destarte, desta lição terrível chegamos à conclusão  educadora que o erro judiciário é muito mais real e possível do que se imagina;                                                         ...errarehumanumest...                                                                                                                                                                                             
                                                             Epilogando. A pena de morte vai de encontro ao princípio da racionalidade que deve preponderar em uma sociedade regida pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. O Brasil, exemplificativamente, quando aplicou a pena de morte se deu mal. O Sr. Mota Coqueiro é um exemplo de grave erro judiciário. Em caso de erro judiciário uma pena drástica não permite a reparação satisfastória.  
                   
A Destruição de Leviatã de
Paul Gustave Doré,1832-1883
Um dos maiores ilustradores de
livros de todos os tempos

                                             Zé Perrengue.