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sexta-feira, 1 de março de 2013

Teoria da mentira como verdade



Maquiavel, o pensador do
poder, 1469-1527




              ...Nunca se mente tanto como antes das eleições, durante uma guerra e depois de uma caçada...  
 (Otto Von Bismarck, 1815-1898, primeiro chanceler alemão)

                                

                                                                          Certa noite, à desoras, cá neste sertão perdido, nesta cidade miserável, no nosso buraco que mais parece uma panela de pressão, onde o suicida Judas já chegou sem as meias rasgadas, casualmente, estava olhando o nosso pai-dos-burros como sempre faço de quando em quando, vício cultivado desde a adolescência pobre em que o único livro da casa era um revelho dicionário com a capa em frangalhos, e de repente, fui ter com o dedo no vernáculo mentira. Na pesquisa, logo fiquei impressionado com a fartura de sinônimos, verbos, expressões e até sentenças a respeito do assunto. Por sinal, a palavra mentira vem do latim mentoir que significa mentir, fingir ou faltar com a palavra. Desta palavra temos um adjetivo muito bonito para mentiroso ou mendaz e o substantivo mendacidade como peta. Menda em latim significa defeito, falha ou descuido e por isso temos aos nossos cuidados os verbos remendar, emendar e outros tantos. A origem de tudo está no Indo-Europeu em que mend tem o sentido de defeito físico.

   
                                                                Nesta noite solitária, em um calor de arrebentar mamona, no mais completo silêncio, velado pelos insistentes ângulos retos das paredes deste casarão perdido na história, misteriosamente, passei a sentir arrepios e calafrios, as minhas pernas pareciam encantadas, sem vida, definitivamente paraplégicas.

                                                                Confesso que não sou um homem medroso, impressionado com coisas do além, mas ultimamente ouço estranhos barulhos nas entranhas do sobrado onde moro, imagino que sejam ratos. Acho que na velhice os meus nervos não andam beleza pura e, por isso, para apaziguá-los, todas às vezes que vou para a cama tenho que olhar debaixo dela à procura de algo que não sei o quê. Tentei domar este impulso bobo, mas depois pensei que isto não causava mal à ninguém e nem a mim mesmo e por isso passei a cultivar o hábito diariamente. O meu ganho com o costume sempre foi ter um sono mais tranquilo.


                                                                Preso à cadeira, sem viva alma que me pudesse socorrer, resolvi não entregar o jogo, as pernas, e após inúmeras tentativas consegui retomar o controle delas precariamente. Alguns instantes depois, já melhor recuperado das pernas dormentes, deixei o nosso pai de lado e arreganhado sobre à mesa e tomei a firme decisão de perambular pelos cômodos, tudo para esticá-las, fazer o sangue circular com alegria. E caminhei abrindo outras janelas, até que na última tomei golfadas de ar e contemplei serenamente o rosto do céu. Reforçando o intento,  subi e desci a escada algumas vezes agitando o líquido sanguíneo. Plenamente restabelecido decidi  não mais largar o livro e aprofundar o assunto delicado que tinha tocado o meu espírito.


                                                                  Isto posto, fui bater em aldrabice como mentira, palavra ainda muito apreciada em Portugal,  e que nos fez lembrar as argolas colocadas nos portões dos antigos casarões e castelos conhecidas como aldrabas, infelizmente as campanhias elétricas venceram, de qualquer maneira uma aldraba é muito chique em um portão; com a letra b, encontrei  bazófia, balão,  balela; caraminhola; fui ter com embromação, embuste, de embusteiro, que veio de imposteiro, exagero e eudrômia; falsificação, fraude,  fábula e ficção; ilusão, impostura, inverdade, este último vernáculo é um substantivo suave para uma mentira, inverdade vem de verdade e verdade é verus em latim que amancebada com o prefixo in também latino que sempre esta à nossa disposição negando os significados das coisas, formam a palavra em questão; lenda,  logro; mentira, já tratada aqui a qual pode ser cabeluda, mentira desta espécie é uma mentira exagerada, detectável até pelas pessoas mais simples, mendacidade, mistificação,  moca; novela; omissão, esta palavra é um equivalente muito de grande serventia aos mentirosos, quando eles são pegos em flagrante mentiroso, sempre tentarão dizer que omitiram e que não mentiram, que tudo não passou de um mal entendido, tudo na maior cara de pau; parolagem, do italiano parola que significa palavra, patranha, sua origem estaria no Espanhol pastraña, que passou a patraña, que significa história fabulosa, situação impossível, esta palavra teria vindo de pastoranea, por sua vez vinda de pastoro sentido inicial seria conversa de gente rústica e crédula, patarata, teria vindo também do Espanhol patarata, excesso ao demonstrar sentimentos ou fazer cortesias, atitude desprezível, beirando pelo ridículo, há quem diga que vem de pato, pelo ruído que faz ao andar por terra,  peta, do Latim pitta, palavra usada para designar bilhete de loteria e esta vem do Grego pettos, pedra de jogo, quando se trata de jogo, a possibilidade de alguém estar enganando para levar vantagem é grande, de onde o sentido , patacoada, talvez venha de pataca, moeda que era usada em Portugal e suas colônias, muito útil para ridicularizar quem diz ter muito dinheiro, pomada; tergiversação, origina-se do Latim tergiversare, palavra que une tergo ou costas mais versare, ou o verbo virar, então temos virar às costas ou desconversar ou virar as costas para a verdade.

                                                                     Uma letra conduzia a outra que combinava com outras formando sílabas, que transmudavam em palavras misteriosas, outras desconhecidas, em legiões de verbos e substantivos que traziam conhecimentos impensáveis.  De um livro passava para o outro e vice versa, uma folha conduzia à outra, procurei a internet e naveguei por mares desconhecidos, tudo em busca da mentira. Vi broca, engano, fuxico, gamela, sedução, lampana, logro vindo de  lucrum, maranhão, mentira-carioca, mariquinha, potoca, prego e engodo, esta aparenta vir do Latim em, mais gaudium, que é o mesmo que alegria. O sentido talvez venha do fato do enganado, do logrado, estar alegre com a pomada em um primeiro momento, só lá na frente toma tento do embuste e fica triste,  ou até ser a atitude de alegria do enganador em tosquiar a vítima.


                                                                      Vi que o assunto era complexo e vislumbrei que a nossa sociedade estava atulhada de mentiras por todos os lados como se fosse um cômodo  cheio de coisas empoeiradas e imprestáveis. Pensei, as mentiras são a base da sociedade e seria impossível a convivência de uns com os outros sem elas, uns devem enganar os outros, apaziguar os mais fracos com boas idéias e os poderoso uma verdade aceitável dominarão os outros. Tudo era uma questão também de credibilidade, em colocar a mentira em cima da mesa para que esta com a melhor aparência possível fosse engolida. Primeiramente, o homem come com os olhos por isso a beleza exterior da comida, e o mesmo recurso, com as devidas mudanças, deve ser empregado para esta instituição ou seja a mentira deve ser embelezada, ter boa aparência e ser muito educada. A violência física é coisa do passado no bando, já foi verdade mas está desusada. A violência contemporânea é sútil, delicada, quase imperceptível pois a ferramenta usada é a patranha.

                                                                     Esta constatação me deixou muito triste e desanimado com o mundo e o pior é que já pensava em mim mesmo como uma grande mentira irrecuperável, abandonada no tempo e no espaço, sem nenhuma mentira sólida para defender, compartilhar e acalmar a minha angústia de homem abandonado pela família e pela verdade. Já começava a pensar que nada neste mundo valia à pena, que tudo não passava de uma luta inglória contra as patranhas. Não me sentia bem, uma febre tomou conta do meu corpo, e cheguei a imaginar que a minha vida tinha  que ser resolvida pela solução final. Mas respirei fundo, amealhei forças e continuei.        


                                                                          A vida sem as mentiras seria um verdadeiro inferno. A Desandar as coisas aferi que a vida sem as mentiras seria um verdadeiro inferno. Achei isto impressionável, a vida transformada em inferno sem as mentiras nossa de cada dia, isto colocava a condição humana como uma dependente química das inverdades e aceitar isto sem nenhuma luta ou revolta, substantivamente indigno para toda a raça humana. Já olhava todo o conhecimento que obtinha com desespero, as minhas pernas tremiam e os meus ombros vergaram para baixo em sinal de desânimo.
                                                                      
                                                                            Prometo não abaixar mais os ombros, enfrentarei tudo com ombridade, devo aceitar que o mal tem força, o bem pouca, e a mentira como ferramenta do mal multiplica-se como se fosse uma rede negra que por osmose  penetra em tudo que vive e existe e contamina até as Ciências Históricas. Exemplificativamente, fiquei sabendo com a boca aberta que o doutor Ignace Guillotin não criou a guilhotina da Revolução Francesa, como muitos imaginam,  apenas sugeriu o seu uso em razão da demanda crescente de cabeças, foram os romanos os criadores, e alguns historiadores acham que foi inventada pelo cônsul Titus Manlius, que paradoxalmente, acabou sendo executado por ela. Ficam falando por aí que Osama Bin Laden foi o primeiro a atacar os Estados Unidos, a glória coube a Pancho Villa que em 1916 cruzou o Rio Grande e atacou a cidade de Columbis, Texas, onde matou sete pessoas, a invasão durou menos de dez horas. Nem o Brasil descapava, Pedro Américo, o nosso grande pintor, me deixou segurando o queixo, em seu quadro Grito do Ipiranga de 1888, descreveu a cena da independência com D. Pedro I a montar um vistoso cavalo, na verdade ele cavalgava provavelmente uma humilde e resistente mula, animal que na época era usado em grandes viagens como a que fazia no momento, se não bastasse isso, o seu quadro é um plágio  do quadro de Ernest Messionier ou Friedland. E, assim,  as coisas históricas iam caminhando, ao gosto dos vencedores.


                                                                          Das mentiras entre as mulheres. Quando meditamos sobre o tema, lembramos das mulheres. Aprecio e muito as mulheres mentindo, algo imperdível gosto do toque suave dado a mentira, tudo em cores roseadas. São políticas e especialistas, umas danadinhas no assunto. Adoro quando vejo uma comadre dizer para a outra:

                                                                        - Oh, queridinha, como você está bonita, cada dia mais nova!

                                                                          - Obrigada, você sempre é um anjo, bondade sua!


                                                                          Em verdade este título é um preconceito escancarado contra as mulheres, machista, não levem a sério, formalmente deve ser ignorado pelo leitor amigo, pois os homens mentem muito mais que as mulheres e isto é vero. A prova científica e acabada do que afirmo é que eles ocupam o poder em bem maior número e, por conseguinte, eles acabam mentindo muito mais. Só que um homem tem uma maneira diferente de mentir, eles fazem cara de bravo, enrugam a testa, levantam os ombros e alguns fecham os punhos, tudo com um toque testosterônico. Usam até a sua pujança física para se fazerem acreditar. É uma questão de estilo na guerra dos sexos. Então, não devemos ter dúvida de que mentira é poder.
                                               

                                                                      Por falar do poder, não podemos esquecer dos políticos, eles são os nossos mestres e sempre sobra para eles em qualquer discussão ou investigação, isso é inevitável e nos nossos estudo isso seria inevitável. O que seriam dos políticos sem a mentira? Sem a gamela eles imediatamente entrariam em extinção, como acontece com a maioria dos animais e os que sobrassem não teria a mesma configuração que hoje possuem. Os políticos estão sempre representando um papel, uns são os pais dos pobres, outros combatentes de vilões, outros salvadores da pátria e assim por diante. Todos tem algo em comum, mentem à bessa. Sem embargo disso, os políticos merecem uma defesa em prol de suas petas, pra falar a verdade uma circunstância atenuante, pergunto, qual o político que seria eleito falando toda a verdade sobre a situação das instituições, quase todas quebradas mundo afora, e não prometesse coisas impossíveis? Destarte, o povo quer a mentira e isso não é nenhuma mentira e, podemos dizer, que todo povo tem a devida mentira que merece, sem mais e nem menos. Assim, os políticos não são os únicos culpados. Por outro lado, é normal que os políticos gostem dos artistas e estão sempre se aproximando deles, acho que vêem um semelhante, como os artistas representam um papel, são famosos e pretendem dominar a mente alheia, só que os últimos com as devidas boas intenções. A minha opinião sincera sobre os políticos é que eles são uns demônios, falo isso de boa, que ninguém me leve a mal mas nunca se esqueçam, há coisa pior no mundo que os políticos, os ditadores, isto é o prêmio de consolação.



                                                                            Dr. House. No estudo fui ter com o  Dr. House, um médico muito inteligente de um seriado da TV o qual tem um apreço muito especial pela mentira. O personagem tem uma cara de poucos amigos, com jeito de alguém que a qualquer momento será internado em um hospício. Ele mesmo já disse sobre si mesmo: -Você vai acreditar em mim? Eu minto sobre tudo! Gostei do seriado, os jovens adoram, acho que o fenômeno é em razão deles terem maior facilidade em lidar com as patranhas. O personagem  em suas aventuras vive à cata das mentiras alheias, mormente de seus pacientes, por isso diz coisas impagáveis como: as verdades começam nas mentiras ou as pessoas mentem por milhares de razões, sempre existe uma razão ou, ainda, é uma verdade básica da condição humana que todo mundo mente. A única variável é sobre o quê.   Estava desesperado com tudo isso, no entanto, o melhor não era desistir, aprofundar o assunto e tentar descobrir algumas verdades. O Dr. House tem razão quando afirma que as mentiras são como as crianças, dão trabalho, mas valem a pena porque o nosso futuro depende delas.  Esta foi cruel, ora essa, mentira e crianças e o nosso futuro dependendo delas, isso acabava sendo um paradoxo intragável, mas vá lá.

                                                                      O número da mentira ou 171. Percebi que o número 171 se agarrou bem a mentira no nosso país, o nosso legislador do Código Penal não poderia ter escolhido número melhor, é sonoro e fácil de gravar. O art. 171 do Código Penal brasileiro trata de uma mentira ilícita ou dos estelionatos, ou seja, quando alguém se utiliza da mentira com arte ou ardil e obtém uma vantagem ilícita estamos diante de um ato ilegal, passível de pena. A lei sem embargo disso, não fica se ocupando de mentirinhas nos negócios, acha normal dourar a pílula ou  um objeto quando estamos vendendo-o,  nesses casos,  é perfeitamente normal, legal. Um amigo meu dotado de um feroz  espírito zombeteiro, vive jogando uma bolinha de enxofre no assunto, chama um casal conhecido de Estela e Nonato, em razão dos dois desonestos praticarem estelionatos juntos. Ri da comparação à farta mas achei o casal periculoso e, reconheci que realmente o casal unido poderia enriquecer juntos.


                                                                         Com a noite varando a madrugada, com os olhos inchados e caindo de sono, resolvi encerrar o assunto e continuá-lo na outra noite. Já estava farto de  mariquinhas e o meu cansaço mental prometia um sono longo. Pela segunda vez não dominava as pernas.  Na ausência delas, me arrastaria até o quarto em busca do repouso, era sexta-feira. E me arrastei como nunca e depois de muito esforço cheguei ao leito e uma vez ajeitado o corpo, logo adormeci como uma pedra.


                                                                          No entanto, como alegria de pobre dura pouco, mal cai no sono, vieram os pesadelos para estragar o resto da noite. É difícil explicar o pesadelo mas ele envolvia uma mentira a respeito dos meus investimentos. Sonhei que tinha aplicado todo o meu dinheiro, até a última moedinha em um ativo errado negociável na bolsa de valores conhecido pelo código MILK11. No investimento maléfico tinha não só colocado o meu dinheiro, como o do cheque especial, dos furiosos agiotas, do pai, da mãe, dos irmãos, de alguns vizinhos que depositavam inteira confiança em mim, do cunhado e até o da sogra. Uma tragédia econômica. Fi-lo tudo na crença cega da multiplicação alegre e fácil do dinheiro.


                                                                          Pra quem não entende nada de ações digo que cada ação tem um código na bolsa de valores, se você quer investir em uma blue chip, ou ação de primeira linha, como a Petrobras você poderá comprar os ativos PETR3 ou PETR4, se na Vale, a nossa grande mineradora, você poderia comprar Vale3 ou Vale5 e assim, por diante, toda a empresa tem um código. Até aí tudo bem, tinha feito um investimento errado com alavancagem, ou seja, com dinheiro alheio. Só que a nossa bolsa está cheia de armadilhas e é necessário aprendermos uma expressão famosa neste mundo de negócios e mentiras ou Ficar com o mico. Ficar com o mico não tem nenhuma conotação sexual. Significa investir o nosso rico dinheirinho em algo que não conseguiremos vender pelo preço que compramos e quando realizamos o prejuízo ou vendemos o ativo, isto se conseguirmos, dizemos que ficamos com o mico. É o pesadelo dos investidores.


                                                                         Até aqui, tudo bem ainda, acontece que o ativo MILK11 foi um dos micos que mais deu prejuízos aos investidores, é mico de primeira linha. Há inúmeros outros casos de micos famosos. Fiquemos com este. Esta ação foi lançada na bolsa valendo uns R$ 12,00 e depois foi desvalorizando até bater nos incríveis R$ 0,29 em abril de 2011, isto feito os controladores da empresa com sede em um paraíso fiscal fizeram um tal de agrupamento de ações por dez e elas passaram a valer R$ 2,90. No pesadelo tinha ficado encantado com o agrupamento, na crença de que pior que estava não ficava, à la Tiririca, ou um pensamento totalmente errado uma vez que o que é ruim sempre consegue ficar pior. Na vida real o ativo depois deste agrupamento continuou caindo e hoje gira em torno de R$ 0,40 e um investidor desde o início  estaria no prejuízo de quase cem por cento, alguém que tivesse investido cem mil reais, hoje, estaria com menos de mil, uma tragédia com suspeita de crimes por trás de tudo. Na verdade podemos chamar esta ação como a raínha dos micos e muitos entraram nesta latada na crença que lidar com leite é fácil e que a marca Parmalat da empresa faria milagres ou talvez retinham no inconsciente aqueles bichinhos fofos representados por bebês na televisão divulgando esta marca. O problema maior do pesadelo nem foi o investimento errado e sim a presença de dezenas de micos de carne e osso em meu quarto.  Alguns dormiam profundamente em minha cama, outros ficavam olhando-me atentamente. Até aí tudo bem ainda, mas em dado momento todos os eles se uniram contra mim, em atitudes furiosas, mostrando os seus dentes brancos afiadíssimos, pareciam extremamente magros e famintos, passei a desconfiar das segundas intenções deles e  me sentir como um peru no natal pronto para ser devorado pela fome humana. Depois de me observarem por alguns longos minutos, começaram a me atacar sem piedade, como pequenos demônios que arrancavam  pedaços de carnes do meu corpo. Foi um sofrimento intenso, nada é mais cruel que mordidas arrancado pedaços de carnes do nosso corpo em um sonho malino. Depois de várias mordidas, nem peru mais era, apenas uma carniça depositada no leito sendo  devorada pelas feras,  tentava gritar pedindo socorro e da minha boca não saía nenhum som. Tive uma vontade louca de dizer que ninguém merecia aquilo e que uma morte digna era um direito de qualquer cidadão vivo e que queria os meus direitos. Para que o meu sofrimento fosse maior, os micos, todos eles,  com a carne sangrando já em suas mãos, soltavam um guincho estridente no meu ouvido, tudo com a intenção perversa de perfurar os meus tímpanos.


                                                               Quando acordei estava completamente molhado, tinha suado em bicas, e senti-me aliviado ao consultar as minhas pernas que funcionavam, sentir as minhas carnes no lugar certo e ouvir o ruido da vida que vinha das ruas e atravessava as paredes grossas da construção. Como a minha alegria era indizível por ter acordado. Logo,  veio à minha cabeça a expressão no pain, no gain, sentia na carne a verdade do ditado. E fiquei ainda na cama por algum tempo repetindo no pain, no gain, no pain, no gain...

                                                                Ao depois, pulei da cama e resolvi aproveitar como nunca o ganho, o dia, por primeiro tomaria um banho frio, em seguida, festejaria os meus tímpanos com música, com três das minhas favoritas ou Self Control de Laura Branigan, Kung Fu Fighting de Karl Douglas e Como Eu Chorei de Lourenço e Lourival. Em dado momento fiquei pensando, como eu gostava de Laura, sentia pena dela por morrer tão jovem, aos 37 anos, vítima de um aneurisma cerebral. Isto é que era tragédia, se elevar tanto e depois a queda, a morte, sem nenhuma explicação razoável, eu pelo menos respirava a vida. Na sequência fiz uma caminhada. À tarde retornaria a ler A Visita Cruel do Tempo, mas na verdade, estava louco para reiniciar os meus estudos. Estava viciado no assunto.

                                                               
                                                                 Na segunda noite retornei aos estudos, me sentia bem após  os pesadelos, as músicas e a caminhada. Mal comecei o assunto e fui dar com o tinhoso, é que descobri que o demônio, Príncipe das Trevas, Senhor de todo mal que ronda o mundo, também é o glorioso Pai das Mentiras e este tal qual a mentira tem uma fartura de sinônimos, havia encontrado algo comum e estreito entre as duas instituições. Confesso que senti medo, vontade de olhar debaixo da cama, outros calafrios e arrepios. Digo que a solidão é cruel nestas horas. E o dicionário trazia como equivalentes do não-sei-que-diga: Anhanguera, beiçudo, bode-preto, capa-verde, coxo,   coisa, coisa-ruim, coisa-má, cão, dialho, dianho, Diogo, excomungado, fute, galhardo, grão-tinhoso, maligno, malino, manfarrico, pedro-botelho, pero-botelho, porco, porco-sujo, tinhoso e uma infinidade de outros, estes nomes são na verdade apelidos. Destes o melhor é Coisa, gosto desta palavra uma vez que a sua polissemia é de babar e quando não encontramos nenhum vernáculo pra qualquer coisa temos a coisa pra nos socorrer. Por falar nisso, alguém chamando outrem de coisinha é clássico. Como gostava de dicionários, praticamente o meu primeiro livro, fazia mal em abandoná-los ultimamente.


                                                                   Que o demônio seja cego, surdo e mudo, mas não acredito neles, isso de diabo não passa de superstição cultivada pelo povo. Meditei,  atualmente existe um preconceito muito grande em relação aos demônios, encontrar um demonologista é o mesmo que procurar uma agulha em um paiol, o jeito era pesquisar e me transformar em um. No entanto, na antiguidade o homem se dava melhor com Deus e com o Demônio, hoje tudo acabado, ninguém fala mais dele e por isso nos todos temos pouco conhecimento sobre o assunto. Para piorar as coisas nem a igreja fica mais assustando a população com legiões de demônios, uma pena, talvez por isso perdem grande parte do rebanho que quer o demo a plenos vapores. A humanidade, do politicamente correto, está enganada, uma vez que  toda a moeda tem cara e coroa, a boa tese suplica ardentemente pela antítese, o que seria de Deus sem Satanás, palavra grega que significa apenas adversário, provavelmente  o sistema entraria em ruínas e o bem perderia o seu barulho. As religiões ficariam às mosca. Destarte, os demônios como as mentiras são úteis e necessários.


                                                                  Assim, vi uma oportunidade nesta noite para aprofundar o conhecimento e peguei firme nas pesquisas. Pra falar a verdade sempre tive uma simpatia por três demônios que ouvia falar por alto, ou seja, Lúcifer, Mefisto ou Mefistófeles e Belzebu. É uma simpatia boba, apenas sonora por ter gostado dos nomes e, sempre guardei este gosto para mim mesmo. Volto a afirmar, não entendo nada de demônios e não acredito neles. Agora lembrei-me de um outro que tenho simpatias ou de Leviathan, quarto príncipe do inferno, serpente maligna dos mares, deus das inundações. As simpatias por este último são apenas didáticas em razão de Thomas Hobbes ter comparado o Estado a um poderoso demônio e o chamou de Leviathan. Hoje ninguém duvida que o Estado é também um demônio, no nosso país ele é tinhoso, basta dar uma olhada rápida na corrupção que assola tudo e todos  e na carga tributária desumana, digo estas coisas políticas, aliás sou avesso a política como ela existe, tão-somente para demonstrar a essência demoníaca do Estado, que ninguém desconfie de nossa alma. Achei a comparação o máximo, beleza pura, infelizmente ninguém presta muita atenção nesta analogia e o Estado continua um deus, um suposto provedor de tudo. Um tal de Peter Binsfeld estudou o coisa e para cada pecado capital associou um demo ou gula para Belzebu, avareza para Mamon, luxúria para Asmodeus, ira atrelada a Azazel, inveja patrocinada por leviathan, Belpheger ficava com a preguiça e, no final, o orgulho para Lúcifer.


                                                                      Como estava com as mãos na massa estudaria os meus favoritos primeiramente e descobri que Lúcifer,  este belo exemplar do lado negro da coisa é o maioral dos demônios, Príncipe das Trevas, expulso do céu por Deus por ter se rebelado contra este, antes era considerado um anjo perfeito. Existe até o luciferianismo, uma ideologia que prega a sabedoria, a luz, o orgulho e a independência. Lux ou luci vem do latim e deu origem a palavra luz, e ferre da mesma língua morta tem o sentido de portador, portanto temos o portador da luz como significado deste nome, nada de anormal. Mefisto ou Mefistófeles tinha surgido na idade média e no mito de Fausto, classicamente escrito por Goethe e outros, sempre aparece como o seu opositor. Mefistófeles tem o sentido daquele que nega a luz ou poderia ser aquele que nega Fausto. O ensinamento do mito é que não podemos trocar coisas maiores por outras menores ou a alma por uma vida passageira e coisas semelhantes como a dignidade por dinheiro. Belzebu é uma junção do deus fenício do trovão e da fertilidade Baal ou Bael com Zebul, deus das moscas e pestilências. Os dois entraram em desentendimentos, serpente picando serpente, por fim Baal saiu vitorioso e um imenso buraco foi aberto no cosmo sugando os dois e depois exsurgiu o uno, a união poderosa de ambos e o nome Belzebu. Fiquei decepcionado com os meus favoritos em razão de ter encontrado tanta coisa boa sobre eles, queria coisas picantes e cheias de imaginação.
                                                                     

                                                                      Lilith um demônio feminino. Lilith, é considerada como a mãe de todos os demônios, bem como, a rainha dos súcubos.  É um demônio feminino rebelde muito interessante. Para quem não sabe, Lilith na verdade foi a primeira mulher criada por Deus juntamente com Adão, os dois foram criados em igualdade de condições e colocados no paraíso. Contudo Adão era um homem machista e queria mandar em sua companheira que retrucava: Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo? Por que ser dominada por ti?  Inconformada com o machismo fugiu para o deserto. Deus mandou três anjos em seu encalço, Sanvi, Sansavi e Samangelaf, com a missão de trazê-la de volta. Lilith resistiu e acabou se envolvendo com um outro demônio ou Samael. E Adão acabou perdendo a sua companheira. Para que um não mandasse no outro Deus resolveu criar a mulher desta vez usando uma costela de Adão ou seja Eva. Como prova disso alegam os estudiosos que no primeiro capítulo do Livro de Gênesis, versículo 27, está escrito que: Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. Não há nenhuma menção a nenhuma costela.  Porém, no segundo capítulo versículo 18 encontramos: O Senhor Deus disse: Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada. Isto da a entender que a mulher criada tinha fugido e, apenas no versículo 22 do segundo capítulo que Eva é criada, ou depois do gênesis e de alguns capítulos: E da costela que tinha tomado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher, e levou-a para junto do homem. Sobre a nova mulher Adão disse: Esta é agora osso dos meus ossos... ou em inglês, The man said, This is now bone of my bones..., Gênesis 2:23. Depois as más línguas que no Jardim do Edén Adão foi tentado por Lilith em forma de serpente e eva por Samael e ambos cometeram adultério. Em algumas traduções esta afirmação aparece como esta sim...dando a entender que havia uma outra mulher antes de Eva. Nas traduções bíblica Lilith é substituída por demônio ou bruxa do deserto. Informações sobre este demônio podem ser encontradas no Alfabeto de Ben-Sira.Assim, temos um demônio ocultado e uma mentira estabelecida, o machismo. As artes plásticas vem restaurando a imagem da primeira mulher, o quadro Lilth de John Colier é belo, outra pintura belíssima sobre este espírito é Lady Lilith de Dante Gabriel Rossetti.


                                                                
                                                                 O número do demônio. Se a mentira neste país tem um número vistoso, o demônio também tem um, ou 666, para sermos exatos este número é o da besta mencionada na bíblia e forma uma trilogia. Não podemos esquecer que muitos consideram o número seis como o número da humanidade em razão de Deus ter criado o homem no sexto dia, o próximo número ou sete já seria o número do Senhor,  é uma alusão de que seis nunca poderá ser sete, que o homem não pode ser Deus e muito menos o coisa ruim.

                                                                  Igreja de Satã ou o demônio não é tão feio como pintam. Continuando a pesquisa, com a madrugada já indo alta, sem mais nenhum domínio sobre as minhas pernas, para a minha surpresa, descobri na internet que o demônio tem uma igreja, na verdade é Satã o agraciado ou Church of Satan. Foi fundada em 1966 por Anton Szardor La Ver, conhecido como o Papa Negro. Esta igreja pra falar a verdade não é muito satânica como imaginamos à primeira vista já que é considerada uma filosofia hedonista e humanista e pretende entre outras coisas combater o cristianismo. Para este pessoal não é justo algumas igrejas combater o corpo como se ele fosse imundo e asqueroso, para eles o corpo é biológico, e merce todo o carinho e inclusive merece praticar todos os sete pecados capitais, mormente, o  desejo sexual e colocar em torno do tabu criado, todo um complexo de culpá. O nome foi mais para chamar a atenção. Palavra Satã significa adversário, e pelo que eu sei é apenas um espírito adversário de Deus. Alguns gritariam indignado que nada neste mundo poderia ir contra Deus, grande bobagem, o que seria da tese sem antítese.Se o demônio não é aceito as religiões perderiam toda a graça Se o demônio não existisse toda a religião perderia toda a graça, parte de sua essência.

                                     
                                                                              Das conclusões. Confuso, no meio de tantas mentiras, cercado por inúmeros demônios cheguei a conclusão que o homem tinha como pai o demônio uma vez que só sabia mentir, já nascia quase que mentindo e morria nesta condição. Os irrecuperáveis chegavam para si mesmo, um deboche. Ora essa, se o homem mente à bessa e o demônio é o Pai das Mentiras esta entidade acaba sendo o verdadeiro pai dos homens. Isto explicava o oceano de mentiras.




                                                                          Já não acreditava mais em mim, sentia me horrível, para piorar tudo, as minhas pernas não mais agiam, passei a acreditar que elas estavam sendo administradas por forças malignas. A minha alma, habitante deste corpo decadente, passara a ver as coisas em preto e branco, tudo sem nenhum toque de sal, uma verdadeira tragédia entre os neurônios. Como homem poucas vezes tinha chorado na vida e então comecei a chorar como uma criancinha que tinha ficado perdida, longe da mãe e diante de tanto sofrimento tomei a firme resolução em cortar pela raiz todos os meus sofrimentos e cometer o ato tresloucado. Neste momento, nada mais era verdadeiro para o meu espírito do que as mentiras, demônios e suicídios, uma trilogia perfeita, um número perfeito ou 666, que se apossava de mim, sem nenhuma possibilidade de fuga.

                                                                                                                                              

                                                                         Do suicídio. Isto concluído, arrastaria como um réptil até a sacada e lá acabaria com tudo. Usei os meus braços poderosos mais uma vez e desci da cadeira, e lentamente atravessei os cômodos. Pelo chão fui deixando os rastros da minha dor, deixava lágrimas pelo caminho. No trajeto fui tomado por um dos piores sentimentos que é ter dó de si mesmo e chorar por isso. Era apenas um corpo, sem espírito, que flutuava no espaço, digno de choque elétrico e remédio tarja vermelha ou melhor dizendo tarja preta. Lá na sacada agarrei na fileira de balaustres e segurei o meu corpo doente ereto. A minha face ainda vertia lágrimas sinceras e condoídas, como ninguém me via aproveitei para soltar todas elas que não tinha chorado por toda a vida. Como todo condenado, tive um último desejo antes da solução final, ou contemplar o rosto do céu mais uma vez antes do pulo. Tudo conspirava para o meu sucesso nesta empreita, como que por milagre começava a sentir as pernas em plena forma. Sorri levemente entre lágrimas, isto facilitaria o impulso. Assustado, tremendo, sempre tive medo de alturas, tive uma súbita recaída e pensei em desistir mas as minhas contas não batiam depois de somar, subtrair, multiplicar e dividir o passado e, como alento, lembrei-me de Ernest Hemingway que tinha tomado decisão semelhante, no entanto,  em sua obra O Velho e O Mar, o idoso não desistia nunca, como um paradoxo de tudo que ocorrera com o escritor e como tudo que ocorria comigo. E assim, contemplei a face do céu pela última vez, do céu que nunca me receberia em razão de ato tão grave. Coloquei o tórax em cima da madeira que sustentava os balaustres, depois o braço esquerdo, o direito, e precipitei a cabeça para baixo. Almejava um fatal traumatismo crânio-encefálico que pusesse um ponto final em uma vida cinzenta. Não rezei e nem fiz o sinal da cruz, fechei os olhos e pulei para o abismo, para o meu buraco negro. Não me lembro de mais nada.




                                                                                 Da ressurreição. Quando acordei estava em um hospital internado pelo SUS. O que meus olhos contemplaram pela primeira vez foi a figura de um médico arrogante com olhar interrogativo, estava, cansado mas vivo, senti que as minhas pernas tinham recobrado a vida, isto me alegrou e virei o rosto para o lado tentando pensar em tudo que tinha ocorrido, no meu fracasso. O médico percebendo a minha fraqueza foi embora prometendo voltar depois. Depois de uma rápida inspeção percebi que estava novinho em folha, sem nenhum arranhão, apenas com os cotovelos levemente machucados. O melhor de tudo é que eu estava me sentindo muito bem com a ajuda de uns analgésicos, ou seja, depois de tanto sofrimento a sentença de no pain, no gain, estava se concretizando novamente. Mas desta vez mudaria completamente a minha vida, tomaria vergonha na cara, a queda tinha chegado os meus miolos no lugar certo. Apurei no leito hospitalar que não havia me dado bem com as minhas pesquisas e deixaria elas enterradas para sempre. Começaria uma nova vida do ponto zero, ou seja, com uma mentirinha, negaria o ato de pés a juntos, diria que nas minhas insônias tinha tido uma vertigem e caído da sacada. Contei o acontecido com riquezas de detalhes, com o rosto sério, franzi a testa e cerrei levemente os punhos. Todos acreditaram diante da gravidade testosterônica e não mais se falou do assunto. Há muito preconceito sobre estes atos impensados, não somos livres para fazer o que bem entendemos com o nosso corpo neste mundo místico e daí a boa utilidade das petas nestes casos.


                                                              E por falar em mentirinhas inofensivas, outra que narrei acima é que não sou tão velho como fiz o leitor acreditar, ainda tenho muita vida pela frente, apenas estou na meia idade, bem conservado e com planos. Como estou começando uma vida nova nada deve ficar escondido.


                                                                
                                                                Mudança de ares. Pensei em mudar de cidade, ir para a capital, contudo, esta cidade anda estranha, cada dia mais insondável para a minha alma confusa. Acabei mudando de idéia, afinal estava novinho em folha, com as pernas em pleno funcionamento e tinha sido salvo do vexame social por uma mentirinha não poderia querer mais nada da vida. Por estes dias, na capital,  andando lá pelo setor Marechal Rondon fui ter com um muro onde estava escrito:


                                                                   Templo é Dinheiro, em letras garrafais. Logo abaixo vinha uma frase em letras menores mais enigmática:

                                                                   Jesus te ama, mas eu não. O paradoxo do caso é que de frente do muro estava plantada uma igreja evangélica. Não podemos dizer que isto não é democrático, ou seja, o encontro da tese e da antítese.


                                                                  Júnior. Arranjaria companhia, ou seja, adotaria um cachorro, contudo, este adotado não seria um cão qualquer, pegaria um puro vira-lata, um bichinho carente, destes que perambulam pela cidade, de preferência um amarelo. Conclui que os cachorros carregavam um pouco de verdade. Isto arquitetado não foi difícil encontrar um belo espécime, de pronto batizei-o com o nome de Júnior. A sua humildade e as suas demonstrações de amizade sincera me cativaram. Lembro até hoje do dia em que nos encontramos, foi simpatia a primeira vista. Ao chamá-lo estalando os dedos ele se aproximou, todo assustadiço, com o rabinho no meio das pernas, isto me comoveu muito e notei que ele estava carente e precisando muito de ajuda. Era um cãozinho amarelado, novo e magro, do jeito que sonhei. Vacinei o animal, apliquei lumbrigueiro, comprei ração Royal e logo ele na sua juventude se transformou em um outro cachorro com coleira, duas vasilhinhas azuis, uma para ração e outra para água que tiro sempre do filtro. Até uma cama providenciei depois  de achar uma interessante com desenhos de ossinhos ao visitar o Pet Shop. Os seus olhinhos doces, parecendo duas pequenas jabuticabas me fascinam e depois de alguns passeios adquiriu o gosto e quando chego à tarde sempre está à minha procura e quando me encontra se dirige para a porta e olha para trás pedindo pra sair virando a cabeça. Só falta falar, tenho-o como filho. E com a amizade firme passamos a fazer longas caminhadas pelas ruas da cidade, as minhas pernas estão completamente saradas e a minha forma física melhorou e a endorfina amealhada rejuvenesceu os meus neurônios. Já estava explorando até o riso em proveito próprio, uma vez que quando indagado sobre o nome do cachorro e ao dizê-lo com a boca cheia: - Júnior, as pessoas soltavam um sorriso autêntico, isto me agrada, acredito que ajudo o mundo a se descontrair.


                                                                                 Só faço um reparo em nosso relacionamento, ultimamente, ando com crises de consciência, julgo que uso o cão sorrateiramente em meu próprio benefício, às vezes imagino que estou apenas sublimando as coisas e caducando. Sem embargo de tudo, para afastar qualquer culpa, aprendi até a dar banhos quentes no meu amigo e a catar um eventual carrapato. Sempre gostei de cachorros, o sentimento tinha arrefecido e agora voltou a plenos vapores, gosto deles por serem minimalistas, querem pouco e, acho que devo seguir o exemplo do meu companheiro e ser feliz. Nunca imaginei que um cão pudesse me ajudar a descer da cruz, são os fatos.


                                                                                    Em resumo, a nossa relação só tem se estreitado, certo dia chegou a dormir em minha cama, não que eu deixasse, mas aconteceu, achei melhor perdoá-lo. Cada dia que passa descubro uma característica de sua personalidade e assim os dias se vão. Passei a estudar o latido dos cães. Eles tem três grandes grupos de latidos, Usam até espectogramas em busca da identificação destes sons. A diferença entre os três tipos de latido está na altura, duração e frequência com que cada um é feito. Os latidos podem são mais complexos do que se imaginava. O latido que o cachorro usa contra estranhos é mais grave e segue, normalmente, em uma sequência curta, nesse latido é como se houvesse uma mordida ao final. Quando o cão quer brincar, o latido costuma ser mais espaçado e mais agudo. O terceiro, quando o cachorro quer chamar a atenção, se caracteriza por um latido nem tão grave, nem tão agudo, mas com mais espaço entre eles, do que os dois outros. Há outras variações de latidos destes principais. É possível fazer um cachorro choramingar, especialmente quando você chega em casa e é recebido alegremente por ele e este é o melhor momento para ensiná-lo a fazer isto. Consegui que o meu cão choramingasse e já distingo com clareza esta trilogia de latidos. Todo cachorro precisa de estímulos, são iguais aos bebês, uma vez estimulados eles acabam ganhando confiança e felizes eles ficam mais inteligentes. Os bebês aprendem por imitação e os cães idem. Enfim, há uma sintonia  entre o aprendizado e a felicidade.
                                                                                  

                                                                                   O meu nome não tem importância. Que o demônio seja cego, surdo e mudo e que o meu cão tenha uma longa vida.



                                                                                     The end.
 

                                                
                                                     





                                                    





                                                        

                    
                                        

 

2 comentários:

  1. Muito bom! Acompanho esse blog desde sua criação. Tive a sorte de ter sido aluno desde mendigo professor dativo na UFG-Cidade de Goiás... Lembro-me da sua primeira aula sobre "Poder"...

    Ele escrevendo é ainda melhor que dando aulas. Peço-te encarecidamente: escreva mais!!!

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