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sábado, 28 de julho de 2012

Ética Histórica Restauradora


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                                                        Ética Histórica Restauradora


 

                                  Imagino que toda a aventura histórica vilaboense, da Cidade de Goiás, antiga capital do Estado do mesmo nome, resplandeceu com os auspícios da sólida Serra Dourada a qual com o seu brilho áureo no horizonte como se fosse uma barra imensa de ouro, como se fosse um imã poderoso, começou a atrair para os seus domínios homens corajosos em busca de riquezas.  



                                  Era o maciço da Serra Dourada fazendo mágicas no horizonte. Até que a  mágica deu certo e a história conta que na data de 3 de julho de 1722 a Bandeira de Bartolomeu Bueno partiu de São Paulo. Não foi uma jornada fácil e nem romântica, como muitos pensam. A morte retumbante estava sempre à espreita dizimando corpos ávidos por ouro. Muitos morreram de fome, doenças e por outros percalços para poucos chegarem bem perto daqui, nas cabeceiras plácidas do Rio Vermelho.



                                  Não é bom esquecermos nunca que os que sobreviveram tiveram que comer macacos, cavalos e, como não poderia deixar de ser em todas as crises humanas, sobrou, como sempre, para os desvalidos cachorros este desespero famélico. Quem nos contou estas desditas foi o Alferes Braga que acabou desistindo e desertando da difícil e perigosa Bandeira de Bartolomeu.



                                  Bartolomeu Bueno da Silva, homem cego de um olho, talvez por isso levasse o apelido de Anhanguera que significa Diabo Velho na língua indígena; era um sertanista experiente e obstinado, estava disposto a morrer se a volta fosse com o fracasso nas costas.



                                                         O nosso herói que não temia a própria morte sobreviveu. Logo que chegou aqui criou um acampamento que passou a se chamar Arraial de Santana para extrair o ouro encontrado. O sonho dourado ficou sólido, a adrenalina arrefeceu.  Do arraial surgiu a mais bela cidade da terra, ou seja, Vila Boa no ano de 1736. Nesta época já prestavam serviços aqui mais de 10.000 escravos.



                                  Por ordem real todos os braços disponíveis naquela época deveriam ser empregados na extração do ouro, isto explica o pouco desenvolvimento da lavoura e da pecuária no início do povoamento, tudo era um sonho dourado.



                                  Em 1749 chegou a Vila Boa o primeiro Governador e Capitão General, Dom Marcos de Noronha, o Conde dos Arcos, e o território goiano passou a denominar-se Capitania de Goiás.



                                  Por duzentos anos Vila Boa resplandeceu como a capital do território goiano. É interessante caracterizarmos que Vila Boa foi o primeiro núcleo urbano a oeste da Linha de Tordesilhas. Concluímos então que a cidade de Goiás iniciou a expansão para o oeste em terras espanholas. Na época o oeste da Linha de Tordesilhas pertencia a Espanha e o leste a Portugal. Destarte, a Cidade de Goiás foi fundamental para a ocupação do chamado Brasil Central.



                                  Em 1937 ocorreu outro grande fato histórico, a mudança definitiva da capital para Goiânia. Em 15 de novembro de 2001 a nossa urbe foi reconhecida como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade. Só que a cidade Bartolomeu Bueno não tem tido muita sorte e na data de 31 de dezembro de 2001 veio a grande enchente danificando cerca de 80 imóveis. Todos ficaram perplexos com o caiporismo vilaboense.



                                  Este resumo histórico é interessante para fazermos uma outra reflexão, uma ponderação importante, ou seja, sobre a chamada ética histórica restauradora. O que é isso? Significa que um determinado povo ou cidade, vítima de uma grande injustiça histórica merece por lei ou uma ação uma reparação pontual. Essa Lei inicialmente deveria ser estadual e depois trabalhada a nível constitucional.  Ética é um ramo da filosofia que estuda o correto agir, em palavras simples. A tese se aplica como uma luva na Cidade de Goiás, a grande injustiçada que está eternamente deitada no nosso berço esplêndido sem nenhum grito retumbante. Falta a clava forte, a consciência histórica reparadora.



                                 Como vimos, Vila Boa é filha da luta da vida contra a morte, da carne de cachorro servida em desespero famélico, do trabalho escravo, da auri sacra fames, isto é, da sagrada fome de ouro; muita riqueza foi levada e pouco ficou, é a cidade, por excelência, mais injustiçada do Estado de Goiás e, talvez, do Brasil.



                                  Goiânia é capital, com méritos, contudo, por menos de um século, Vila Boa foi por dois. Não foi de bom alvitre a transferência da Cidade sem nenhum planejamento estratégico e sem compensações. Perguntamos: se compartilhamos de algo seminal por duzentos anos, em dado momento histórico podemos dizer simplesmente, não dá mais! A transferência da capital foi alvissareira para Goiânia e traumática para a Cidade de Goiás.



                                   Se despedimos um empregado damos aviso prévio, pagamos indenização e até pedimos desculpa, além de ficarmos constrangidos pelo desemprego que causamos. Não houve aviso prévio para o antigo Arraial de Santana. É uma cidade sem aviso prévio e sem indenização. Foi deixada eternamente ao deus-dará, no berço esplêndido.



                                   Ao lado disso, houve crimes de abandono material e espiritual na transferência, tudo foi levado e transferido com desenvoltura e testemunhado por um céu azul e profundo. Não podemos esquecer que o Rio Vermelho foi roubado e vilipendiado, o primeiro crime histórico perpetrado.



                                  Não se diz o poderoso Não, sem maiores explicações. Já dediquei em uma festa uma música dos Pet Shop Boys à Cidade de Goiás chamada It’s a sin que significa em inglês é um pecado. Deverasmente, a Cidade de Goiás é um pecado, um grande pecado histórico. Muitos continuam extraindo o filão de ouro abstrato da Cidade de Goiás: prestígio com obras baratas, votos e outros benefícios. Depois, se despedem como beija-flores da bela flor do cerrado, com um leve adeusinho, retornando para o conforto de lugares mais desenvolvidos contemplados com grandes obras.



                                  Todos os braços disponíveis, como dizia o rei, deveriam de levantar do berço esplêndido, se unirem para uma causa maior, pelo verdadeiro amor por Vila Boa, pela luta legal para que a cidade seja indenizada com recursos fartos e obras maravilhosas. Todos nós sabemos que merecemos isso uma vez que os serviços históricos prestados foram imensos. O orçamento municipal é ridículo tendo em conta o valor histórico da cidade e os seus problemas. A vocação da cidade é para o turismo. Nem um centro de convenção temos.



                                  Muitos que aqui chegam deveriam de conhecer a periferia da cidade e ver o desespero dos excluídos, sentir a falta de emprego e ouvir o desânimo. Hoje podemos dizer que existem duas cidades, uma histórica, até razoável e outra periférica, em verdadeira decadência econômica. A cidade histórica não pode camuflar a periferia como se estivesse tudo bem.



                                  O meu texto é uma tese, um manifesto, como dissemos, onde ponderamos que a nossa cidade foi injustiçada pelos fatos históricos e deve ser indenizada pelos danos materiais e morais suportados. A cidade, uma das mais antigas do Brasil, sem embargo de ter progredido, ficou com as sobras, com as migalhas da riqueza do Brasil e do Estado de Goiás. Basta olharmos a riqueza de outras cidades como Jataí, a princesinha do sudoeste goiano, onde fui Juiz por quase oito anos.



                                                           Não podemos ficar só com uma venenosa divisão política, disputando cada centímetro do pouco que ficou. Reconheço que o conflito é bem-vindo, contudo, o momento é de união, com o engajamento de todos os braços disponíveis, não só aqui, no palco dos pés da Serra Dourada, mas também com esforços junto ao governo estadual o governo federal. É necessário um esplêndido e retumbante movimento. Sempre acreditei que os políticos são sábios, eles tem a noção que é dividindo que conseguimos somar com facilidade e ficamos verdadeiramente mais fortes, algo como aquele ditado que uma andorinha só não faz verão. União para que? União para recebermos a indenização do Brasil e do Estado de Goiás pelos danos sofridos que são imprescritíveis. Uma característica do pensamento da ética histórica restauradora é a sua imprescritibilidade. A indenização material e moral, com juros e correção monetária, chega pelos meus cálculos iniciais, em bilhões e bilhões de dólares. A destemida OAB deveria de ajuizar a ação. Como Juiz daria a liminar raspando, com desenvoltura, as algibeiras do governo federal e estadual.



                                  Nesta ação indenizatória, a causa petendi, a causa de pedir da ação indenizatória é justa, justíssima. Existe uma dívida histórica com esta cidade que nunca foi paga. Todos os braços disponíveis estão sendo enganados com as sobras, com as migalhas.  



                                          Nesta luta heróica e reparadora que todos deveriam encampar temos duas armas poderosíssimas, dois valores abstratos inestimáveis. Valores abstratos são aquilo que não vemos, mas sabemos que existem e por muitas vezes tem valor até superior ao que vemos e tocamos. O primeiro é a cidade de Bartolomeu Bueno ter sido capital por dois séculos e largada como mulher cheia de filhos pelo marido, o segundo é o reconhecimento como Patrimônio Histórico da Humanidade. São duas armas nucleares. São armas mais poderosas que terras férteis, minérios e queijandos. Estamos na era da valorização do abstrato, os nossos avoengos já tinham esta noção quando afirmavam que a melhor herança é o estudo que deixavam aos filhos.



                                          Como rol de testemunha desta ação indenizatória deveria de ser arroladas as duas testemunhas principais, o Rio Vermelho e a Serra Dourada, além destas, o Palácio Conde dos Arcos, A Casa de Cora, a Praça do Coreto, a Rua da Pedra sempre de prontidão, ou outros monumentos.



                                          Jean Baptiste Debret esteve no Brasil em 1816, como membro da Missão Artística Francesa, e em sua obra Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, tomo II, pags. 32/33, falou sobre Vila Boa: “O ouro aí era abundante outrora e, nesses tempos felizes, a cidade tinha uma rica administração, bem como uma Casa de Fundição; mas as minas se esgotaram e, com elas, a prosperidade da região, de que resta a lembrança e uma população miserável”. Sem exageros, a miséria ainda persiste.  



                                                                  Epilogando, a minha tese ou o meu manifesto é que a cidade de Bartolomeu Bueno ou o primeiro núcleo urbano a oeste da Linha de Tordesilhas   tem uma dívida dourada para receber, com juros e correção monetária, que beira, nos meus cálculos preliminares, em bilhões e bilhões de dólares e, que, ainda não prescreveu e o fundamento da ação, a clava forte, é a chamada ética histórica reparadora baseada nos serviços históricos prestados, no roubo do Rio Vermelho e na transferência injusta da capital.  Não prescreveu porque as grandes injustiças não prescrevem nunca, como os genocídios não prescrevem. Se a cidade é Patrimônio Histórico da Humanidade a injustiça forte é contra toda a humanidade. Migalhas estaduais não resolvem. Vila Boa continua deitada no berço esplêndida, falta o grito retumbante, a união reparadora. It’s a sin, é um pecado.









                                                          

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