Total de visualizações de página

domingo, 1 de maio de 2011

Do atropelamento dos bichos e das estradas

uma vida que merece ser vivida
Tamanduá Bandeira, os bichos são criaturas
inocentes, portadores de uma vida que merece
ser vivida


...adoradores de adrenalina...

                                                                   A Hecatombe. É de doer, de sangrar os nossos corações, empedernidos pelo movimento criado nas estradas, o atropelamento e a grande hecatombe de bichos nas estradas brasileiras causados pela falta de sensibilidade dos motoristas e pela ausência de uma política do Estado brasileiro. É um conflito, uma controvérsia entre o dionisíaco (natureza em sentido amplo) e o apolíneo (movimento em sentido amplo) ou a luta pela sobrevivência desesperada dos bichos e o movimento criado pelo homem em seus veículos, um movimento no pior sentido, um tosco movimento criando despedaçamentos ou carniças miasmáticas. Da mortandade humana pela violência nas estradas nem é preciso dizer nada, a hybris ou a desmedida humana em grego, está escancarada nas manchetes da imprensa. Se fizermos uma viagem curta, não é raro encontrarmos um Tamanduá abatido ainda agonizante na estrada e passarmos pelo bicho em silêncio, contudo constrangidos, com a cena dramática, com tanta animalidade humana, no péssimo sentido da expressão. Entre as maiores vítimas, além dos tamanduás, estão o lobo-guará (Crysocyon brachyurus), o maior canídeo da América do Sul, a ema (Rhea Americana), a coruja-do-campo, raposas, tatus, aves, répteis, anfíbios e muitos outros. Falando dos Tamanduás, palavra tupi que significa literalmente caçador de formigas, por isso são chamados igualmente, de papa-formigas, são nossos parente não muito longe, pois é um mamífero xenartro, da família dos mimercofagídeos, encontrado do México à Argentina. Possuem hábitos noturnos, saem à noite em busca de alimentos e acasalamentos, são lentos e a sua estratégia de defesa é especial, quando são ameaçados por um predador põem-se de pé e abrem os braços mostrando as suas enormes garras. No entanto, esta estratégia contra veículos-predadores é fatal no momento em que são ofuscados pela luz intensa destes.


                                                       Querendo ajudar. Se pararmos para ajudar um animal silvestre abatido e ainda agonizante correremos riscos de também sermos atropelados por um louco ao volante, fato que não é aconselhável. Outro empecilho que ainda podemos enfrentar é o legal, pois o transporte de animais silvestres sem autorização não é permitido. Alguns atropelem os bichos por simples capricho mórbido ou ainda nada fazem para evitar um atropelamento como, por exemplo, desviar o veículo ou diminuir a velocidade. Parece que se sentem psicologicamente diminuídos fazendo algo por um bicho, como se fosse coisa de fraco. Não podemos ficar só com a loucura humana de empalhar animais atropelados nas estradas para que as futuras gerações os conheçam.


                                                        Um ciclo vicioso. O número de carcaças à beira das estradas é estarrecedor. Não há estatísticas confiáveis a respeito do número de animais atropelados, algumas revelam que são aos milhares. Estas carcaças em decomposição provocam mais mortandade de bichos, pois outros sentindo o cheiro miasmático que exalam se aproximam das estradas para comê-los gerando novos abates de aves e mamíferos.

                                                         Estrada de cruzes. As nossas estradas estão cheias de cruzes, elas são verdadeiros matadouros de homens e bichos. Estas cruzes não só deveriam lembrar os nossos mortos como também os animais silvestres que morreram vítimas dos homens. A cruz é símbolo de mistério, de enigma, além de significar sofrimento e martírio. Outra mística da cruz é a do fracasso. Deveríamos então encher as estradas com milhares de cruzes representando o nosso fracasso em evitar o massacre dos bichos, o nosso fracasso em preservar vidas que merecem ser vividas. Ainda, outro código místico da cruz é o amor como síntese final das ações humanas, e este passa pela caridade do homem para com os bichos. Esta caridade é urgente.

A cruz é símbolo do fracasso

                                                        A seca como agravante. Na época da seca há uma redução de oferta de água para os animais e sem este elemento disponível em abundância a vegetação fica mais seca, diminuindo a oferta de alimentos e, por conseguinte, os animais passam a percorrer áreas maiores em busca da satisfação de suas necessidades quando são surpreendidos na malha rodoviária que se torna uma armadilha pior que aquelas colocadas no mato.

O frágil cerrado atacado pelos
adoradores de adrenalina tudinho com
 a conivência de governos, imprensa e
indústria automobilística.

                                                        Ralis da vergonha. Os festejados ralis estimulados pela indústria automobilística nossa de cada dia, na promoção de seus reluzentes veículos, são outra ameaça hercúlea aos animais silvestres. A malha rodoviária tradicional não é suficiente para os caprichos do inconsciente humano de movimento a qualquer custo. Os badalados e reluzentes off road viraram moda, brotarão ad futurum como a peste negra ou bubônica que devastou a Europa entre 1347 a 1350, ou seja, o problema se agravará. Novas trilhas virgens são improvisadas para que o movimento no sertão seja cultuado. A destruição da fauna e da flora nunca é noticiada pela imprensa que escamoteia as mazelas por pura velhacaria, de olho no orçamento de marketing. Os eventos são mostrados como uma aventura inofensiva, um esporte praticado por pessoas apolíneas, sensíveis, adoradoras de adrenalina, aristocráticas e modernas. Brincando com Sigmund Freud, 1856-1939, diríamos que os veículos são brilhantes falos metálicos, portadores de surpreendentes movimentos penetrantes, estuprando a natureza ctônica, o frágil cerrado, com o aplauso infantil de uma platéia abobada com tanta virilidade bolinando o sertão. É o homem travestido de metais, borracha e vidro, o ser estéril se exibindo para si mesmo no rali do cerrado ou no rali dos sertões. O cerrado, símbolo rude da natureza, tem a sua fragilidade, a sua biodiversidadepapuda, não devem vingar. Não é de bom alvitre estes ofídios picarem borracha de pneu. O cerrado só deve ser invadido por bons eqüídeos e os seus ocupantes, pelos verdadeiros amansadores e domadores do tempo, passassem a contemplar apenas os buritis roseanos e queijandos ou a poesia misteriosa do cerrado que ainda não foi descoberta por alguns desavisados com ids cheios de serpentes ou intumescidos de adrenalina. Temos que dizer não às montadoras e escaramuçar estes metais corrosivos pilotados por sombras psíquicas, sem consciência, que tentam voar sobre o cerrado. Urge, ao contrário, trombetear pela imprensa o rali da proteção e recuperação do cerrado. O fato é que o movimento é sagrado, o cerrado idem.

                                                           

                                                            A fraqueza da lei. A Lei nº. 9605de 12 de fevereiro de 1988 que dispôs sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, não é nada eficaz diante de tanta mortandade e de diversos crimes contra a fauna, é uma hybris jurídica. É a paidéia do pouco, o diploma legal é minimalista. Há doutrinadores encantados, exemplificativamente, com o dispositivo legal que abraça a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, contudo, tal avanço é quase uma perfumaria jurídica diante do gigantismo do problema. Pode e deve avançar mais. Geralmente quando, se mata culposamente um bicho em uma estrada não há previsão penal para isto, é apenas uma indiferença penal. Se for dolosa a ação, ficará tudo por isso mesmo, já que o Estado é impotente no combate à criminalidade, imagine quanto à proteção da fauna e da flora. Por outro lado seria ineficaz apenas penalizarmos criminalmente estes atos. Melhores estradas e conscientização é o caminho inicial.

                                                            Epilogando. Os veículos são vistos na sociedade contemporânea como algo útil e como símbolo social de poder, sem embargo disso, são muito mais que isto. Representam, outrossim, a hybris do homem ou a sua desmedida ou, ainda, a sua irracionalidade; representam um grande perigo, tanto para o homem como para os bichos. Outros, desavisados, encaram as estradas como um grande e infinito autódromo público, onde minutos amealhados nas viagens são buscados à custa de tragédias de animais silvestres e de valiosas vidas humanas. O trânsito como realidade humana do movimento, do continuum, urgentemente, deve ser encarado como matéria de relevância pública e de conscientização.
as estradas como um grande e infinito autódromo público
                                                            Um placebo. Se não temos estradas confiáveis nem para nós humanos não podemos imaginar quando alcançaremos as ecologicamente corretas em que fossem atendidos os interesses dos animais silvestres que também tem uma vida que merece ser vivida e sentida. Como solução paliativa sugerimos a promulgação de leis eminentemente educadoras, sem sanções criminais, ou no máximo com a obrigação de frequentar curso de conscientização e que tivessem ampla divulgação na imprensa as quais suplicaria em nome destes seres silvestres que os motoristas evitassem andar à noite, por ser o momento em que eles escolhem para atravessar as rodovias; que a lei recomendasse a redução espontânea da velocidade em lugares que a velocidade permitida fosse maior; sugerimos que a lei obrigasse o Estado a levar a cabo uma sinalização maciça e ecologicamente correta, tudo no telos, no objetivo, de minimizar o problema.

...caprichos de movimento a qualquer custo...
                                                            Z.

Nenhum comentário:

Postar um comentário